Cuiabá, 26 de Abril de 2024
Notícia Max
26 de Abril de 2024

CIDADES Segunda-feira, 13 de Maio de 2019, 09:07 - A | A

Segunda-feira, 13 de Maio de 2019, 09h:07 - A | A

ENTREVISTA DA SEMANA

Delegada Jozirlethe Magalhães: “Existem estudos que demonstram que alguns homens por terem uma cultura machista, vão reproduzir esse estereótipo machista”

Redação

Reprodução

 

Delegada titular da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher de Cuiabá, Jozirlethe Magalhães Criveletto fala ao Notícia Max sobre o ciclo de violência, que começa geralmente em um relacionamento abusivo e pode culminar em um feminicídio. Ela explica que a delegacia tenta fazer um trabalho preventivo, e que muitas vezes as vítimas não detectam que estão vivendo em uma situação de ameaça. 

 

Notícia Max - Alguns casos sobre a violência contra a mulher diminuíram em Cuiabá, como homicídio e  ameaça? 

 

Delegada Jozirlethe Magalhães - Sim, nos casos de homicídio de mulheres, graças a Deus nós não tivemos feminicídio em 2018 em Cuiabá, mas em Mato Grosso tivemos bastante casos. A diminuição dessas ocorrências acontece, mas não significa, por exemplo, que diminuíram os crimes. Tivemos dois casos a menos que 2018, em contrapartida não temos o índice de importunação sexual que tivemos agora, aumentou consideravelmente porque é um crime novo.

 

Notícia Max - Qual a característica desse tipo de crime?

 

Delegada Jozirlethe Magalhães - A Lei é relativamente nova, do ano passado. Aqui nas ocorrências da Secretaria de Segurança, ainda não estava se encaixando esses crimes. Nós tínhamos aquela contravenção penal antiga de oportunação ofensiva ao pudor. Quando falamos de crimes contra a dignidade das mulheres, englobamos estupro, a violação sexual mediante fraude, e agora a oportunação ofensiva ao pudor, todos os crimes contra a dignidade sexual da vítima. 

Então quando você coloca violação sexual mediante fraude, diminuiu 67%. No caso da importunação sexual não está aqui, somamos o estupro, a violação sexual, assédio, muitas vezes a gente coloca até o constrangimento ilegal, como sendo um crime contra a dignidade sexual da pessoa, que ele recebe outra ratificação. 

Muitas vezes a pessoa força a outra a fazer algo com conotação sexual que não dá para ser caracterizado como antigamente como estrupo, teria que ser caracterizado como constrangimento ilegal, é um exemplo. O caso daquelas vítimas que chegavam ao consultório médico, e elas eram forçadas a tirar a roupa, fazer algumas posições para exames que elas não gostariam de fazer, e aquilo sai do constrangimento moral para constrangimento ilegal. 

 

Notícia Max - Como que a gente deve falar, por exemplo, que o feminicídio é um estagio final. Às vezes a mulher não entende, ou finge não entender, que está sendo ameaçada, abusada dentro de casa, na rua. Como ela deve agir para que não chegue a esse estágio final? Como a delegacia trabalha?

 

Delegada Jozirlethe Magalhães - A delegacia trabalha sempre com duas vertentes de atuação, que são aquelas que são função primordial de Polícia Judiciária Civil (PJC); a investigação criminal, que nós só entramos quando o crime acontece, quando a vítima denuncia. Nós adquirimos ao longo do tempo e os movimentos das mulheres também, essa outra vertente de atuação que é a prevenção, que é trabalhar de forma a coibir que o crime aconteça. Nessa prevenção buscamos levar para a população o conhecimento, o que seria esse tipo de violência, por mais que tenhamos uma sociedade que não acredita muitas vezes que isso ocorre, muitas mulheres, muitos homens, muita gente na sociedade ainda não se viu diante dessa situação de teoria que o ciclo da violência realmente ocorre. 

 

Nós frisamos, explicamos o que é o ciclo da violência, explicamos o que é a Delegacia da Mulher. Procuramos levar às mulheres sempre o conhecimento, que o início desse ciclo acontece, e muitas vezes até antes de acontecer, antes de acontecer um fato considerado com crime pelo código penal, você pode descobrir se está em um relacionamento em que venha ocorrer esse ciclo, dentro de um relacionamento abusivo, por exemplo, você pode ter ali fatores que demonstrem para aquela pessoa, aquela vítima, que ela está no relacionamento abusivo, que não necessariamente ela esteja ainda sendo vítima de crime, então certas condutas, que são realizadas pelo agressor, dentro de um relacionamento, pode ainda não ser considerada como crime, isso são sinais que aquele relacionamento pode evoluir, aquelas condutas abusivas podem evoluir a ponto de ser tornarem práticas criminosas.

 

Ela tende a crescer cada vez mais nesse ciclo de violência, essas práticas criminosas são e é provado isso pelas experiências que nós temos dentro de todos os inquéritos de violência doméstica, que essa violência vai com o tempo permitindo que esse autor comece a praticar crimes cada vez mais graves contra essa vítima. Por exemplo, um relacionamento abusivo que começa em uma fase que o companheiro que tende a ter sentimento de posse pela vítima, e ele sempre está proibindo horários, proibindo que ela tenha amizade com determinadas pessoas que muitas vezes ele não aceita, então esse relacionamento é abusivo, porque ele sente nela uma propriedade, ele pode evoluir, para uma ameaça.

 

Essa ameaça pode acontecer no início com frases como “olha você vai ver se você for com aquela pessoa”, “olha você vai ver o que eu vou fazer com você quando chegar em casa”, essas ameaças que não dizem diretamente vou te matar, mas vai acontecer algo que não é uma coisa boa. Ele pode bater, fazer alguma coisa que vai sugerir que seja algo ruim. Na medida que isso vai evoluindo, na medida que ela continuar fazendo o que ele não quer, segundo a concepção dele, aquela ameaça que era simplesmente uma ameaça, “que você vai ver”, surge uma lesão corporal, pode passar primeiro por uma injúria real, pode passar primeiro por uma pessoa que ele não gosta, com um tapa quando ele chega em casa, acontece uma discussão, ele empurra essa vítima, é uma injuria real, até o ponto que se ela continuar fazendo aquilo que ele acredita que não é bom, em casa ela vai ter um “castigo” maior porque fez aquilo que evolui para uma lesão e assim sucessivamente, simplesmente um ciúmes. 

 

Muitas vezes a vítima pensa, mas não consegue entender, como se fosse amor, ele gosta tanto, se preocupa e ele não aceita que eu tenha certas amizades, o que era um ciúmes doentio pode evoluir para uma lesão grave e por fim o feminicídio.

 

O que  queremos explicar para as mulheres é que esse ciclo realmente ocorre, ele se repete, a pessoa boa tem a fase dela de explosão, depois ela entra na fase do arrependimento, a pessoa que se encontra com esse autor, ela chega acreditar realmente nas mudanças daquele agressor, aí entra aquela outra parte, da população que diz assim “porque temos muitas vítimas que se retratam na delegacia”. Porque aquelas vítimas que se retratam e chegam nessa fase do arrependimento do agressor, ela se encontra com alguém que ela casou, que vai viver e passar o resto da vida com aquela pessoa, então quando você casa você decide conviver com alguém que você não quer ter término, você não tem período, a relação de um casamento, de uma convivência é para sempre, mas nem tudo que a gente constrói é para sempre, tem um período de início e fim, como que você vai aceitar que aquela pessoa que você amou, que você escolheu pra passar o resto da sua vida não está arrependida? O intuito inconsciente de qualquer ser humano é tendente a acreditar no arrependimento, na mudança da pessoa, nesse ciclo de violência existe essa fase do arrependimento, e a tendência da vítima, de qualquer ser humano, é você acreditar que o outro ser humano pode mudar.

 

Notícia Max - Trabalhando com esses casos, a senhora acredita que uma vez agressor, mesmo que aceite ali, que troque de companheira, ele vai se tornar sempre agressor, porque ele já foi lá atrás?

 

Delegada Jozirlethe Magalhães - Sim existem estudos, inclusive de psicologia, onde demonstram que alguns homens por terem uma cultura machista, eles vão reproduzir esse estereótipo machistas, ele vai reproduzir em qualquer relacionamento que ele tiver, não se tratando da vítima, sendo parte de sua cultura. Quando ele começar um novo relacionamento, vai fazer a mesma coisa, o que vai mudar, seria no caso, quais as escolhas das pessoas que estão nesse relacionamento com eles. Essa pessoa vai denunciar, processar, pode ser que de repente ela quebre esse ciclo de violência logo no início, experimente um relacionamento abusivo, que a vítima de inicio já faz  que não se sustentou muito, vai terminar o namoro, não tendo uma experiência para contar, como uma outra vítima que ficou com ele até sofrer agressão.  Por isso que existe na Lei Maria da Penha já preconizado a questão da reeducação do agressor. 

 

Notícia Max - A vítima vai na delegacia registrar a ocorrência, nesse caso a vítima é aceita lá, é feito o B.O?

 

Delegada Jozirlethe Magalhães - A Delegacia da Mulher é a casa dela, sendo o símbolo que mais sustenta dentro do enfretamento na violência contra mulher de forma geral. Embora sinta vergonha de vir aqui, ela sente isso de qualquer delegacia, sendo cultural, de que as pessoas que vêm aqui são autoras de crimes, não fez algo muito bom. Ao longo dos anos, deixou de ser a PJC que faz o TCO e encaminha para o Juiz especial como era em 2006. Antes da Lei Maria da Penha, a maioria deles era encaminhado para o juizado, baseado na lei 11340.

 

A delegacia passou a ser mais procurada porque a vitima vê a delegacia como a porta de entrada para a justiça, ela consegue ser melhor ouvida por uma delegada do que para um juiz, os trâmites para vitima sentar na frente do juíza e contar o drama e ser resolvido é muito mais burocrático do que na delegacia com a delegada, estando mais perto do cidadão, por isso temos tanta procura, tanta demanda, as vezes não conseguimos atender a quantidade que temos, passa mais de 10 mil mulheres por ano com o efetivo de 20 pessoas para atender, então é quase humanamente impossível dar um atendimento de excelência.

 

Hoje  fazemos mais do que a capacidade ate física, deixamos de lado família, horário a mais do normal, de dever, às vezes chegam vítimas aqui 18h da tarde, em caso extremo e urgência, e só trabalhamos até as 18h, então a gente precisa atender. Vão existir aqueles casos que a secretaria não vai dar conta que a demanda, é muito maior que efetivo. 

 

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