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22 de Setembro de 2024

CIDADES Segunda-feira, 22 de Outubro de 2018, 10:35 - A | A

Segunda-feira, 22 de Outubro de 2018, 10h:35 - A | A

ENTREVISTA DA SEMANA

Doutor Adeildo Lucena: “A nossa função não é só curar, mas também tratar a dor, temos que acolher as pessoas”

Redação

Jean Crizan

 

Diretor do Sindicato dos Médicos do Estado de Mato Grosso (Sindimed-MT), o doutor Adeildo Martins de Lucena Filho esteve em visita à redação do Notícia Max na última quinta-feira (18), quando foi comemorado o Dia do Médico, e fez uma avaliação do setor, destacando que mesmo com as dificuldades ainda há muito o que se comemorar, apontando as dificuldades vividas pela classe e o que seria preciso para melhorar a saúde pública no país.

 

Notícia Max – Os médicos comemoraram seu dia na última quinta-feira (18), mas na opinião do senhor, há realmente motivos para comemoração?

 

Adeildo Lucena – Sim. Nós temos uma profissão muito honrosa, e nos sentimos muito felizes em ajudar as pessoas. A nossa função não é só curar, é curar quando possível, mas também temos que tratar a dor, temos que acolher as pessoas. Ouvir as pessoas é muito importante na nossa profissão. Isso é de extrema importância.

 

Notícia Max - Quais as principais dificuldades encontradas pela classe?

 

Adeildo Lucena – Nós começamos com dificuldades desde a formação. Temos aí os estudantes de Medicina, em comparação a outros cursos, quatro vezes mais o índice de depressão, e é maior que a população em geral, principalmente quando chega no 4º ano, quando começa o internato. Aí cai a ficha, que a coisa não é tão fácil.

 

A medicina não é uma ciência exata, então temos que lidar com as incertezas, e isso causa ansiedade, e a pressão é grande, de nós para nós mesmos, dos nossos colegas e dos nossos professores da instituição. A cobrança é que a gente não pode errar, como se não fossemos humanos, nós adoecemos, temos família, temos direito ao lazer, e isso não nos é negado, só não é permitido, não dá tempo, e a cobrança é muito grande.

 

Quanto o aluno forma, tem dois anos de residência, e pode ir até cinco anos, ou até 11 anos, um neurocirurgião, um cirurgião plástico, e aí o cara estuda todo esse tempo. E a pressão é grande, nós penamos muito com essa pressão, e até um ponto ela é positiva, a partir daí ela é deletéria, e como eu estava dizendo, tem a Síndrome de Burnout que acontece em várias profissões, não só nos profissionais da saúde, mas nos policiais militares, professores, jornalistas.

 

Tem artigos que mostram essas profissões com a Síndrome de Burnout, que é quando a pessoa chega em um tamanho estresse, acima do suportável, e ele então começa a ficar cansado, irritado, sem forças, o trabalho começa a ser prejudicado, e mesmo férias não o fazem melhorar, pois quando ele volta, voltam os mesmos sintomas, e isso é uma coisa muito comum e estamos mais alertas a isso.  

 

Notícia Max - Quais os principais anseios da classe médica?

 

Adeildo Lucena – Então, o que nós queremos? Nós já temos muito e que é importante, que é o respeito e o reconhecimento daqueles que nos procuram. Isso não tem preço. Isso que é nossa felicidade. Você ver que conseguiu talvez não resolver o problema, mas satisfazer a pessoa que está ali procurando ajuda. 

 

Nós temos outros anseios. Que os gestores reconheçam o nosso trabalho, e que nos permitam trabalhar, nos dê condições de trabalho, nos dê um salário digno, isso é importante. Eu ganho no Estado um valor que em oito horas na Unimed, para trabalhar 38 horas eu ganho, e isso é considerável, chega a ser bem grande a diferença.

 

Notícia Max - O que é preciso fazer para melhorar a saúde pública?

 

Adeildo Lucena – Na saúde pública é preciso primeiro de bons gestores. Temos lugares que funciona, e por que outros não funcionam. O recurso não é diferente, é per capta, então tem lugares que funciona, porque são mais organizados.

 

Tem aquela história do peixinho no aquário, pensa em um tubarão no aquário. Tem lá um tubarão e você chega pra ele e fala você sabia que lá fora tem passarinho. Aí ele imagina o tubarão de asinhas. Aí você fala que tem vaca que tem chifre, e ele imagina um tubarão de chifres. Ele não sai do aquário para ver a realidade, e ele coloca vários outros tubarões nesse aquário também. E esses tubarões têm que obedecer o tubarão chefe, e fica tudo ali, só enxerga aquilo, ele não sai para ver o mundo, as oportunidades, tem muitas ferramentas para melhorar a qualidade do serviço público. 

 

E precisamos conter a corrupção, esse desvio. Então se soubermos ter uma gestão boa, do que temos de recursos atuais, ainda assim vai ficar faltando porque o Brasil é um dos países que menos investe per capta na saúde da população na América Latina. Não vamos comparar com Canadá, Inglaterra, vamos falar da América Latina. É pouco. 

 

Para se ter uma idéia a União não tem um percentual mínimo para investir. O município tem, o Estado também, embora o Estado seja recente, não é tão antigo, era só o município que era obrigado a cuidar. O Estado e a União passaram para os municípios  a responsabilidade do cuidado, mas não repassou dinheiro suficiente. Essa é a grande questão. 

 

Os municípios são onde as coisas acontecem, e o município não tem arrecadação. O maior arrecadador é a União, depois o Estado e depois os municípios. O bolo é dividido de forma injusta, porque as coisas acontecem nos municípios, é lá que o paciente fica doente, que o prefeito é pressionado, o profissional de saúde é pressionado, aí o profissional de atenção primária chega no limite, que resolve 80% dos casos, e fala preciso de uma avaliação de um especialista, e aí dura dois anos, porque a regulação não funciona direito. É uma máquina que põe o paciente lá e fica girando, todo mês gira, ninguém avalia a necessidade maior desse paciente, se ele precisa, se ainda está vivo. 

 

Aí marca para esse paciente que já resolveu o problema, ou que já faleceu, aí vem o absenteísmo, taxas incríveis, de cada 20 pacientes, em torno de 12 a 14 faltam, e o médico fica ocioso. Vai cumprir horário, mas vai ficar parado sem fazer nada, porque o serviço não funciona adequadamente, a regulação não funciona.

 

Então costumamos falar que o cumprimento do horário é legal, mas na profissão do médico isso tem que ser avaliado caso a caso, porque se está em uma cirurgia, operando um paciente, e de repente chega e fala está no meio de uma cirurgia e você vai sair? E ele responde: estou no meu horário, vou bater o ponto e vou embora. E aí? Mas a nossa ética não permite que façamos isso. Ela diz que só posso sair e deixar aquele paciente quando outro médico assumir. E nós respeitamos a ética.

 

Mas e os políticos, eles respeitam a ética? Tem ética na política? Muito pouco, se olharmos para trás veremos que isso é muito pouco. Então temos essa situação dos tubarões que estão no aquário e não enxergam o mundo de fora. E se você entrar lá e falar para ele, ele te devora. Por isso que os técnicos dos municípios, que sabem, eles ficam quietos, se não os tubarões engolem eles. Muitas vezes é questão daqueles que estão no Poder não escutarem os assessores, porque os assessores também não escutam os técnicos, aqueles que estão no serviços, aqueles que têm a prática.

 

Notícia Max – Na avaliação do senhor, falta comprometimento do Poder Público?

 

Adeildo Lucena – É principalmente falta de ética, de respeito, de manter-se no poder acima dos interesses públicos. A gente fala assim: tem médico ruim, e claro, toda profissão tem. Tem jornalista ruim, temos advogados ruins, engenheiros ruins, mas a maioria dos médicos é comprometida, a maioria é capacitada, e tem um esforço sobre-humano, porque esquecemos a família, esquecemos que somos maridos, pais, a maioria não vemos os filhos crescerem.

 

Eu sempre digo aos recém formados para não dobrarem plantão, que cuidem dos filhos, que abracem a família, mas não vemos isso, pois entramos em uma roda viva que não para. O que eu falo para os recém formados é que não vão ficar ricos. Eles saem às vezes devendo R$ 600 mil do Fies, e como ele vai pagar isso, manter a família e a si próprio? É uma covardia aumentar essas faculdades privadas sem uma avaliação correta.

 

Trazer médicos de fora sem eles passarem pelo crivo de um teste sério para avaliar se eles têm competência por respeito a população. O Mais Médicos seria excelente, mas o médico teria que estar sendo avaliado na prova, ele tem que falar português direitinho, e tem que conhecer o povo brasileiro. Ele vem sem saber as nossas tradições, sem conhecer a nossa cultura, e entra em um lugar importantíssimo, que é a ação primária à saúde. Não sou contra médico estrangeiro, mas se formos para fora, não podemos medicar.

 

Quando os países estrangeiros levam de Cuba médicos, levam os melhores. E para cá estão vindo os melhores? Não sei. Porque quando vai para a Inglaterra, para os Estados Unidos, são rigorosamente avaliados. Por exemplo, um especialista que sai daqui, que fez residência, ele vai e pode até passar na prova, mas tem que fazer toda residência novamente. Agora aqui no Brasil virou festa, virou avacalhação. 

 

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