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CIDADES Segunda-feira, 06 de Novembro de 2017, 09:04 - A | A

Segunda-feira, 06 de Novembro de 2017, 09h:04 - A | A

MÚLTIPLOS SIGNIFICADOS

Gênero: muito mais que um substantivo

Gustavo Castro, da Redação

Divulgação

Ariane Senna diz que transexuais são excluídos do mercado de trabalho porque “não há vagas para elas”

Para muitas pessoas, a palavra “gênero” está diretamente ligada a um substantivo que apenas designa o objeto. A grosso modo, é um sinônimo mais polido para o sexo, no sentido de diferenciação entre masculino e feminino, ou homem e mulher. Porém, para uma vertente feminista, é, na verdade, um termo com múltiplos significados, inclusive dentro de um mesmo contexto, a exemplo da “ideologia de gênero”.

 

Até anos atrás o tema era considerado tabu e quase não se falava sobre isso. Mas alguns cineastas começaram a discutir sobre a causa problemática. O registro mais antigo que se tem da expressão está na obra “Who Stole Feminism?” (em Português, Quem roubou o feminismo?), de 1994, escrita pela norte-americana Christina Hoff Sommers, doutora em Filosofia que se considera uma “feminista da equidade”, mas não uma “feminista de gênero”. No Brasil, o tema também foi pauta de discussão na novela de Glória Perez, “A Força do Querer”. Na trama Global, a personagem da atriz Carol Duarte, a Ivana, criou polêmica por ter se identicado como um homem trans.

 

Entender como isso funciona, no entanto, é algo complexo.

 

Teóricos da “ideologia de gênero” afirmam que ninguém nasce homem ou mulher, mas que cada indivíduo deve construir sua própria identidade, isto é, seu gênero, ao longo da vida.

 

A SIGLA LGBT

 

O Brasil é, de cara, o País que mais mata LGBTs no mundo. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), a cada 25 horas um LGBT é morto no país. Em 2017, até o início de maio, foram registradas cerca de 120 mortes motivadas por intolerância e discriminação à orientação sexual e identidade de gênero. A informação vem do militante LGBT e membro honorário do GGB, Gilson Coutinho.

 

Em Mato Grosso, somente em 2016, a Polícia Civil contabilizou 148 ocorrências de crimes motivados por homofobia. Em 2015, o registro geral computou 50 ocorrências relacionadas à homofobia. Mas a homofobia não é a causa principal. Além do termo, ainda existem a lesbofobia, bifobia e transfobia. 

 

Soma-se a isso o fato de não haver políticas públicas de acolhimento, visibilidade e, principalmente, de leis que tratem como crime essas agressões, além, é claro, do despreparo policial.

 

É por isso que muitos casos passam despercebidos, subnotificados, esquecidos e entram na estatística nacional.

Mas apesar de todos os dados citados acima, há uma parte da população que acredita e reafirma que esses crimes não existem. Porém, existem e precisam ser combatidos.

 

REALIDADE TRANS

 

A situação envolvendo as pessoas trans no Brasil é muito grave. Segundo dados da Associação Nacional de Transexuais e Travestis do Brasil (Antra), a expectativa de vida de uma pessoa transexual ou travesti no País é de cerca de 35 anos - bem abaixo da média nacional, estimada pelo IBGE em 75,2 anos. Além disso, 40% de todos os assassinatos de pessoas trans registrados no mundo ocorrem em solo brasileiro. Ainda segundo a Antra, 90% das travestis e transexuais brasileiras vivem da prostituição.

Essa profissão como única forma de sobrevivência, coloca essas pessoas num quadro de vulnerabilidade social. Além da exposição de risco às infecções, as pessoas travestis e transexuais também estão expostas à violência.

 

Foi o que aconteceu com a transexual baiana Ariane Senna, 25 anos. Ao ser expulsa da casa dos avós com apenas 13 anos, restou a ela, como forma de sobrevivência, os programas que combinava nas ruas de Salvador, à beira-mar. 

 

“A juventude trans morre muito cedo porque, quando a gente é expulsa de casa, a gente vai parar na rua. Não te aceitam, mas vão te procurar na orla à noite”, denuncia a, hoje, psicóloga.

 

Ariane diz ainda que transexuais são excluídos do mercado de trabalho porque “não há vagas para elas”.

 

GRUPOS DE ACOLHIMENTO E APOIO

 

Cuiabá

 

Valentim Félix tem 27 anos, é homem trans, ativista e comunicador social. Ele é coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (IBRAT) desde 2015, considerado o maior coletivo de homens trans na América Latina e Caribe.

 

Valentim recentemente deixou o cargo de lado, e há 3 semanas, juntamente com outros membros, se reuniu para abrir um coletivo mais regional, que já tem um nome, mas que prefere não divulgar ainda.

 

Ele diz que o coletivo é estadual e atualmente conta com 31 membros. O local do encontro é no campus da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) por ser mais democrático e de fácil acesso para todos, mas ressalta que esse encontro físico só acontece com os que vivem em Cuiabá, obedecendo uma questão logística.

 

Nos encontros são debatidos desde estratégias de como conseguir políticas públicas voltadas à classe até vivências individuais.

 

“A gente tenta também fazer uma roda de conversa para que os mais novos (não de idade) consigam se entender e entender o movimento, porque muitos chegam não sabendo absolutamente nada”, aponta.

 

Valentim é chamado por seu nome social há um tempo e ressalta a importância desse reconhecimento, mas afirma que não é assim em todos os lugares.

 

“Quando a gente se depara com este reconhecimento conseguimos nos ver enquanto cidadão, ou mais ainda, como seres humanos. Nos sentimos respeitados, e isso gera muitos benefícios não só para nós, mas para a sociedade de forma geral. Então, com o devido respeito, todos têm a ganhar”.

 

Sobre políticas públicas e intervenção do Estado, o comunicador é categórico. “Temos que concordar que ele é falho em vários aspectos, e esperar que ele funcionasse com a minoria da minoria é algo utópico. A importância da militância de controle social é justamente essa: dialogar, levando as nossas demandas a quem possa resolvê-las. Não tem como, por exemplo, o Estado saber que a gente precisa de hormônios se a gente não fala que precisa. Porém, o grande conflito é que essas demandas não estão sendo atendidas. Acho que maior e melhor ajuda então seria a aplicação de políticas públicas para minimizar transfobia que a gente sofre no dia a dia”, argumenta.

 

Para concluir, Valentim aponta sobre a militância trans. Ele, que é militante, acredita que se um dia ela deixar de ser importante, então não terá mais motivos para viver. 

“Parece radical, mas uma travesti ou pessoa trans, mesmo que não se posicione militante ou ativista, só o fato dela transitar por aí já é um ato político! O corpo é político! Ele traz a tona questões que mexem com uma das estruturas mais básicas da sociedade atual, pelo menos a brasileira, que é o binário de gênero (classificação de gênero em duas categorias distintas e desconectadas, que são os gêneros feminino e masculino). (...) então nossos corpos são vistos como forma de afronta a este CIStema (como eles costumam falar, fazendo uma analogia aos cisgêneros). Essa militância acontece 24h por dia”, finaliza.

 

Mulheres Trans

 

Algumas feministas parecem questionar a noção de que ‘se nasce mulher’ até quando se lembram da existência de mulheres trans. Com isso, começam se utilizar de expressões como ‘nascidas mulheres’ e ‘socializadas como mulheres’ a fim de diferenciarem de mulheres cisgêneros.

 

“É como se fosse até mesmo preciso usar mão de noções até então tidas como inadequadas para marcar uma diferença que se julga intransponíveis.”, diz Assucena, trans e vocalista da banda As Bahias e a Cozinha Mineira.

 

Ela ainda afirma que algumas dessas feministas se incomodam com a designação cis. “Justamente porque elas rejeitam qualquer qualificação que faça remeter a uma relação com a nossa existência trans.Como se fosse uma ofensa às mulheres cisgêneras serem definidas a partir de uma relação com a alteridade que a transgeneridade impõe. É como se fosse preciso rejeitar qualquer aproximação com mulheres trans, e a rejeição do termo cis fosse um exemplo disto.”, finaliza.

 

Dia Nacional da Visibilidade Trans

 

29 de janeiro é comemorado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Esse dia foi escolhido porque, em 29 de janeiro de 2004, pela primeira vez na história do nosso país, travestis e transexuais estiveram no Congresso Nacional para que falassem aos parlamentares brasileiros sobre a realidade dessa população que até o momento só era vista como prostituição e pessoas anormais.

 

É um dia que, mesmo para a comunidade LGBT, tem pouco destaque pela própria invisibilidade que paira sobre essa população.

 

Ainda hoje a população trans tem grande dificuldade no acesso à educação, saúde e trabalho, além de serem vítimas diárias de violência e preconceito por parte da sociedade.

Apesar de muito se dizer que vivemos em um país laico, é fácil constatar que a sociedade porta-se de maneira conservadora e religiosa, o que molda suas ações e pensamentos. Desse modo, ela trata com intolerância e com desrespeito não só as identidades de gênero, mas também as orientações sexuais heterodivergentes.

 

O dia da visibilidade trans* não é, assim, apenas uma data comemorativa para nos lembrarmos de que existem pessoas que não seguem o gênero que lhes foi imposto ao nascimento, mas, sim um dia para lembrar toda a resistência desses homens, mulheres, travestis e pessoas NB (não-binárias) que sofrem violências diárias em todos os ambientes.

 

Por isso, é um dia marcado pela luta por direitos e para reafirmar, com todas as forças, que, sim, eles existem e persistem!

 

 

 

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