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POLÍTICA & PODER Segunda-feira, 18 de Novembro de 2019, 08:56 - A | A

Segunda-feira, 18 de Novembro de 2019, 08h:56 - A | A

ENTREVISTA DA SEMANA

Advogado José Domingues de Godoi Neto: “AI-5 é antidemocrático. É como você pegar e jogar no lixo direitos dos cidadãos”

Rayane Alves

 

Líder do Partido Social Liberal (PSL) na Câmara dos Deputados, Eduardo Bolsonaro causou polêmica até mesmo na imprensa internacional por ser favorável ao Ato Institucional Número Cinco (AI-5). O deputado corre o risco de perder o mandato parlamentar, mesmo assim se recusou a pedir desculpas na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN), a qual preside, e ainda chamou outro deputado para um debate sobre a ditadura militar.

Diante do assunto, a reportagem do Notícia Max conversou com o especialista em Direito Constitucional, José Domingues de Godoi Neto, para explicar o que a reedição do ato causaria no Brasil, já que se trata de um país democrático.

 

Notícia Max - A declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro defendendo a reedição do AI-5 de 1969 causou grande polêmica, mas a nova geração, na verdade, não entende o que significa o AI-5. Realmente representaria a volta da ditadura?

 

José Neto – Muitas das pessoas infelizmente desconhecem o conteúdo. Mas, primeiro a ideia dele é bem parecida com aquilo que ele se propõe. Ele deixa alguns conceitos bem abertos. “No combate a subversão que as ideologias contrárias as tradições contrárias do nosso povo na luta contra a corrupção”.

Isso seria um dos motivos para a edição do AI-5. Mas, assim, agora, quem pode dizer o que seria esse combate a essa subversão? Então você vê a mesma ideologia da época da ditadura militar, pois é aquilo que se defende.

 

Você tem um inimigo invisível e isso justifica restrições a direitos. Com isso, entramos no grande problema que é o AI-5. Era um contexto de proteção à população de ameaça comunista. Enfim, todo esse inimigo fantasioso.

 

Só que o grande o problema disso tudo é que o fato gera uma restrição de vários direitos. Por exemplo, uma das principais polêmicas, o Eduardo Bolsonaro é membro do Legislativo e um dos principais pontos do AI-5 é dizer que o presidente da República pode simplesmente fechar o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras dos Vereadores. E isso em uma democracia é inconcebível, porque afinal de contas, a gente vive em uma divisão tripartite um bom tempo no Brasil, onde nós temos o Legislativo, Executivo e o Judiciário.

 

Não temos um imperador. Nós temos os três poderes. O Estado são os três poderes. Cada um com sua função típica e atípica. Tudo na intenção de balancear o fato de alguém não ter um extremo poder.

 

Na época da ditadura militar você estava concedendo um super poder ao Executivo, já que o presidente podia fechar o Congresso. A gente sabe que hoje o Congresso Nacional é um dos grandes responsáveis por poder limitar essa arbitrariedade do Executivo. Afinal de contas, a maior parte das condutas prestadas pelo Executivo deve ser ou previamente autorizada ou depois referendada pelo Legislativo.

 

Então, o primeiro ponto do AI-5 é dar a possibilidade ao presidente de fechar o Congresso. Isso é um absurdo no ponto de vista democrático. E essa tenha sido talvez uma das principais repercussões mundo a fora. E inclusive foi um dos principais motivos que levou a quebra de decoro que está em tramitação na Câmara.

Segundo ponto diz respeito diretamente a nós cidadãos brasileiros. Porque quando a gente analisa o AI-5, ele trazia em algumas de suas exposições a expressão: “No interesse de preservar a revolução o presidente da República ouvindo o Conselho de Segurança e sem as limitações previstas na Constituição poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos. E cassar mandados eletivos federais, estaduais e municipais”.

 

Ou seja, o presidente da República ouvindo o Conselho de Segurança, que é ele quem monta, poderia cassar os direitos políticos de qualquer pessoa. Basicamente você está dando o poder ao presidente da República de cassar de qualquer cidadão que seja contrário a ideia dele. E isso é de fato absolutamente antidemocrático. É como se você pegasse a democracia e jogasse ela no lixo.

 

O AI-5 ainda trazia a pior expressão: “Sem as limitações previstas na Constituição”, ou seja, nem a Constituição não protege mais o cidadão. Então, o presidente faz aquilo que ele bem entender. Além disso, como se não bastasse a possibilidade de cassar os mandados ou direitos políticos, o artigo 5º do AI-5: “Além de suspender os direitos políticos, o presidente poderia dentre outras coisas aplicar algumas medidas: liberdade vigiada, proibição de frequentar determinados lugares, domicílios determinado...”.

 

Então, você imagina que por você ser opositor ao governo o presidente da República poderia suspender seus direitos políticos de votar e nem ser votado mais, não poderia propor ação popular, por exemplo, um dos nossos direitos como cidadão e ainda ter liberdade vigiada tendo que informar o lugar que você fica. Acabar com a própria liberdade.

 

Notícia Max- O fato acabaria também respingando nos veículos de comunicação?

 

José Neto - Com certeza dar essa possibilidade ao presidente, ele pode considerar a imprensa como a inimiga do governo. E ai qualquer conduta da imprensa que seja contrária a ele será taxado como contrário ao interesse do governo e sofreria as medidas previstas.

 

Aqui até a maioria das pessoas que não vivenciou o AI-5 tem até mesmo a possibilidade de confisco de bens pelo presidente da República. Só que aí é que vem o grande receio, é o grande argumento.

 

“O presidente da República poderá após investigação decretada confisco de bens de todos quanto tenham enriquecido ilicitamente em cargo ou função pública, e etc”.

 

Neste caso, quem defende o AI-5, o presidente vai decretar o confisco daquele que é corrupto. Mas isso não é papel do presidente, e sim do Judiciário. O Judiciário está lá para garantir todos os processos em âmbito legal.

 

Notícia Max – Mas o senhor de fato acredita que com todas essas perdas do cidadão o presidente de fato editaria o AI-5?

 

José Neto – Assim, aqui no Brasil parando para pensar em um Estado democrático de direito, seria inconcebível um AI-5. Não há a mínima possibilidade. Se você pensar em uma edição do AI-5 você tem que pensar no seguinte: pegar a Constituição Federal de 1988; álcool; fósforo e queimá-la. Porém, isso tudo dentro do campo teórico jurídico.

 

Nesse aspecto, nem mesmo o plebiscito poderia pensar em um ato constitucional como esse porque a Constituição tem uma função que a gente chama de função contra majoritária. Então, mesmo sendo a vontade da maioria seria limitada por alguns fundamentos como dignidade humana, os direitos fundamentais.

Só funcionaria por meio de um golpe de Estado. Única possibilidade.

 

Notícia Max – O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), deu a entender que apoiaria a reedição do AI-5, o senhor vê nessa declaração um apoio de parte de ala militar?

 

José Neto - Pelo que a gente observa, ele me parece uma voz isolada nas Forças Armadas. Mas até ele na sua entrevista disse que teria que ver como que vai fazer isso, porque até me parece saber que do ponto de vista jurídico um AI-5 é impossível e simplesmente seria possível apenas por uma tomada de poder pelos militares. E ele dizendo isso como chefe do GSI atenta contra os princípios democráticos e foi chamado para prestar depoimento no Congresso Nacional. É uma afronta direta ao Legislativo e ao Judiciário. O fato é como se você quisesse colocar uma coroa na cabeça do presidente. E ele não é imperador. Estamos em um Estado democrático. E mesmo assim encontramos vozes isoladas na população no sentido de que apoia a eventual intervenção militar.

 

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