A Polícia Federal, sob nova direção a partir de janeiro, entra numa nova fase: expulsar um vírus do corpo social, camuflado em crime organizado, corrupção e tráfico de drogas, executando com muita prática e mão na massa tudo aquilo que os teóricos vêm discutindo, à base de palpites, sem conseguir chegar a lugar algum.
O novo diretor-geral, Maurício Leite Valeixo, 51 anos, vai seguir a escola de Chicago, não a cursada por Paulo Guedes, o futuro ministro da Economia, mas a da cidade onde Al Capone imperou até ser golpeado nas finanças pelo agente Eliot Ness, do FBI, a Polícia Federal dos Estados Unidos. A receita é: siga o dinheiro. Quer dizer: investigue de onde brota o dinheiro, quais os canais que ele percorre e os destinos para jorrar com abundância. Assim, somente assim, será possível descobrir o caminho do dinheiro sujo, nunca totalmente branco. Ou seja, o código genético da corrupção e da organização criminosa, a societas sceleris. Novos Al Capone multiplicaram-se e infestam o Brasil.
Valeixo está na nossa Federal desde 1996. Antes de ingressar nos seus quadros, foi delegado da Polícia Civil do Paraná, onde chefiou o Tigre (Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial), que age no combate ao crime organizado. Formou-se em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Nasceu em Mandaguaçu, próxima a Maringá, a terra natal do ex-juiz Sérgio Moro. O pai de Valeixo, Octávio Jorge de César Valeixo, foi desembargador no Tribunal de Justiça do Paraná. Morreu há 15 anos.
O currículo de Valeixo é dos melhores. Foi diretor nas diretorias de pessoal e de inteligência policial. Já trabalhou na Divisão de Combate ao Tráfico Internacional de Drogas. Foi adido policial na embaixada em Washington. Quando voltou ao Brasil, assumiu a Dicor (Diretoria de Combate ao Crime Organizado), o terceiro cargo na hierarquia estrutural da Polícia Federal, mantendo forte ligação com o ex-diretor-geral Leandro Daiello. Este, já fora do cargo, hoje advogando, não acredita em federalização da segurança pública, como alguns pretendem, por considerá-la inexequível num país com dimensões continentais e cada Estado tem suas responsabilidades.
Como superintendente da PF no Paraná, Valeixo fechou a delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, em abril, e no mesmo mês efetuou a prisão do ex-presidente Lula. Dois meses depois, deixou de cumprir o despacho proferido pelo desembargador plantonista no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Rogério Favreto, mandando libertar o ex-presidente Lula. O próprio tribunal consideraria a decisão ilegal, baixando uma resolução que veda a uma autoridade judicial de plantão desrespeitar uma decisão da própria Corte. Em outras palavras: ordem ilegal não se cumpre. É uma máxima entre os militares. Vale para civis.
Valeixo sempre foi especialista em combate ao tráfico internacional e operações de inteligência policial. É técnico, minucioso, calmo, sereno, sensato e se relaciona muito bem com todos os escalões da PF. Delega atribuições e exige resultados. Não toma decisões intempestivas. Participou ativamente nos dois dos maiores casos presididos por Sérgio Moro, agora ministro da Justiça e Segurança Pública — a Operação Banestado e a Operação Lava Jato.
Bandidagem diferente, abrindo caminhos e portas com dinheiro em mãos com anéis faiscantes e colarinhos brancos bem engomados, exige métodos bem diferentes de combate. Corromper é uma atração, ativa e passiva. Não há mais espaço para métodos toscos. Um estudo neurológico a respeito: no córtex central se instala um juízo crítico e moral, mas no caso dos corruptos não existe essa filtragem de consciência, da mesma maneira como alguém mata tranquilamente para roubar. É a insensibilidade absoluta diante dos males causados. Sem essa percepção, o córtex não inibirá o comportamento.
A atração por corromper faz parte da moralidade brasileira. A fatura de origem infame, a locupletação ilícita consciente, possui faturas por tabela nos mais variados escalões da sociedade e do poder. Aqui entra em cena a Polícia Federal. Uma polícia de Estado. Seria a Polícia do Tesouro, como a dos EUA, se Tancredo Teves não tivesse morrido antes da posse. Quando um advogado de Michel Temer, já desgastado como presidente, foi cotado para assumir o Ministério da Justiça, disse — em visão desfocada — que com ele a Federal teria “outras coisas para fazer, cuidaria das fronteiras e das estradas” e não da Lava Jato. Com a frase torta, perdeu a chance. Combater o crime é uma coisa, combater a polícia é outra. A polícia de Estado não pode ser teleguiada por ninguém, com já se pretendeu.
À gênese: ela já foi Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) e com o nome atual ficou por muito tempo sob o comando dos militares, desde o general Silvio Correia de Andrade até o coronel Moacir Coelho. Com outro general na Presidência, João Batista Figueiredo, o delegado paulista Romeu Tuma ficaria sem função nenhuma na Polícia Civil paulista quando o governador Franco Montoro foi eleito. Tuma correu para Brasília e pediu socorro ao presidente. A folha de serviços prestados ao Dops, em conexão com DOI-Codi, não poderia deixar de ser levada em consideração. Ele voltou para São Paulo nomeado superintendente da PF. Tapa com luva de pelica na cara do novo governo estadual, que extinguiu o Dops. Tuma levou consigo os arquivos do Serviço Secreto — por sinal, o quinto andar do prédio do Dops, onde ele funcionava, pegou fogo no mesmo horário da posse. Os arquivos ficaram no prédio da rua Antônio de Godoy, durante anos e anos. Inúteis buscas por qualquer tipo de documento comprometedor.
Sem um militar no comando, mas com um delegado de polícia estadual na chefia, a Federal viu Tuma superintendente ser promovido a diretor-geral e acumular funções como secretário da Receita Federal. Poderosa concentração de poder. A era Tuma dominou por muito tempo, até que finalmente a Federal foi considerada apta a gerir seu próprio destino.
Nasceu então uma nova polícia, com quadros renovados, que se tornou a melhor do Brasil, profissional, aprimorada e suficientemente competente para qualquer tipo de investigação, cuja remodelação surgiu, principalmente, com os concursos públicos de 1995 em diante. É a geração atual.
Para enfrentar o crime cada vez mais estruturado, numa sociedade ao contrário, desorganizada, é preciso ser efetivamente do ramo. A lição é aplicável para os Estados: nas Secretarias de Segurança, já tiveram oportunidades desembargadores, juízes, promotores e advogados. Na verdade, papéis de celofane para embrulhar um pacote gerador de desconfianças. Mandar na Polícia parece ser uma delícia, mas esse prazer transforma a sociedade em cobaia de experimentos. Ela está insatisfeita com sucessivos anos de infortúnio, durante os quais a criminalidade tem sido triunfante.
Um exemplo dentre muitos, hoje: a capital do crime organizado se instalou numa rede de presídios de segurança máxima na região de Presidente Prudente, onde tropas do Comando de Policiamento de Choque da Polícia Militar estão se concentrando para prevenir um ataque de resgate dos chefões do crime. São 22 estabelecimentos penais ao todo. Mais de 23 mil prisioneiros formam a população carcerária, na ideia de manter prisioneiros bem distantes da capital, embora seja este o nome do Primeiro Comando criminoso, que neles montou eficientes escritórios de gestão criminosa.
Enfrentar a poderosa estrutura do crime organizado exige coragem e determinação. E isso nem sempre agrada a gregos e troianos, porque essa estrutura mantém reservas de mercado, exibe tráfico de influência, mantém graus de infiltração na máquina estatal e abastece polpudas contas bancárias. Corruptos são apadrinhados e proliferam eunucos morais de estimação. Corrupção é negócio, business, é investimento, alimentando sórdidos tentáculos longos e envolventes. O enfrentamento exige coragem, que por sua vez é a dignidade sob pressão, como certa vez observou o escritor Ernest Hemingway. Na sinuca, os brasileiros são convidados a escolher e prestigiar o lado em que prefere ficar.
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