Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou falta de recursos e falhas na fiscalização pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de unidades de conservação (UCs) concedidas à iniciativa privada.
A análise foi realizada ao longo de 2023 nos serviços e documentos das 8 unidades de conservação e 2 florestas nacionais geridas por empresas concessionárias. O documento com as conclusões foi tornado público nesta terça-feira (17).
Entre os problemas identificados pelos auditores estão a falta de "recursos organizacionais suficientes para gerir e fiscalizar os contratos de concessão, em decorrência, sobretudo, de falhas de planejamento para provisão dos recursos humanos, físicos, financeiros e administrativos" e a constação de que "o ICMBio, de modo geral, não está monitorando e avaliando, de forma sistemática, os impactos ambientais causados pela visitação pública."
A auditoria analisou a situação das seguintes UCs e florestas nacionais:
Parque Nacional da Tijuca (RJ)
Parque Nacional do Pau Brasil (BA)
Parque Nacional de Itatiaia (RJ)
Parque Nacional de Aparados da Serra (RS)
Parque Nacional da Serra Geral (RS)
Parque Nacional do Iguaçu (PR)
Parque Nacional de Fernando de Noronha (PE)
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO)
Floresta Nacional de Canela (RS)
Floresta Nacional de São Francisco de Paula (RS)
Em nota, o ICMBio disse que o propósito de conservação da biodiversidade, em especial das UCs "é dificultado pelo sucessivo enfraquecimento dos órgãos ambientais, o que inclui o déficit de recursos humanos e financeiros" e que "tal enfraquecimento foi recepcionado pela atual gestão, que vem empreendendo esforços para equacionar estes problemas."
O ICMBio admitiu que "a estrutura de recursos organizacionais ainda é insuficiente", mas disse que alguns dos problemas apontados pela CGU foram solucionados ao longo da auditoria e que as regras para gestão dos contratos de concessão foi atualizada.
(a íntegra da manifestação do órgão está no fim desta reportagem)
Orçamento cortado em mais da metade
Um dos aspectos destacados pelos auditores é a redução de recursos no orçamento do ICMBio para a gestão e implementação das unidades de conservação entre 2020 e 2022.
No período de três anos anteriores, entre 2017 e 2019, o instituto gastou em média R$ 468,1 milhões por ano com as ações. Nos três anos seguintes, esta média caiu para R$ 221,2 milhões, uma redução de 52%.
"A redução na dotação dos recursos, associada ao contingenciamento orçamentário, pode ter impactado negativamente a realização das atividades de fiscalização, tanto no que tange à redução de profissionais especializados de apoio à fiscalização (desligamentos), quanto na diminuição das viagens realizadas pelas CFACs", diz o documento. CFACs são as Comissões de Fiscalização e Acompanhamento Contratual.
A CGU destacou que quase metade dos servidores que atuam na fiscalização avaliam sua carga de trabalho como excessiva e que, de modo geral, há falta de equipamentos como celulares e drones, manutenção de veículos e até de serviços de internet.
"A situação encontrada contribuiu, de forma determinante, para as falhas e fragilidades constatadas na gestão, no monitoramento e na fiscalização da execução dos contratos de concessão e compromete a eficiência e a eficácia do Programa de Concessões", diz o relatório.
Fragilidades nos controles de valores a receber
O relatório aponta problemas na burocracia de fiscalização dos contratos que podem estar causando prejuízos aos cofres públicos. Há casos em que aspectos do contrato são analisados apenas com base em informações apresentadas pelas empresas, sem produção de informações pelos fiscais.
Em pelo menos um dos parques, os auditores identificaram "fragilidades nos controles de verificação da autenticidade e integridade dos dados financeiros apresentados pelas concessionárias."
Na prática, diz a CGU, isso leva ao "risco de recebimento incorreto do valor da outorga variável pelo ICMBio, bem como destinação a menor, pelas concessionárias."
Em outro caso identificado pelos auditores, a concessão de uma bonificação à concessionária estava relacionada às respostas dos visitantes a pesquisas de satisfação.
Mas mesmo que todos os visitantes respondessem com a nota mínima – classificando a estrutura como "muito ruim" –, a pesquisa não levaria ao pior resultado possível, o que seria positivo para a concessionária.
Para a CGU, as falhas na fiscalização levam a riscos como:
descumprimento das obrigações contratuais pelas concessionárias;
prestação de serviços sem a qualidade esperada pelos visitantes das UCs; e
impactos ambientais prejudiciais decorrentes da visitação não controlada.
Destruição
Algumas das unidades de conservação concedidas e alvos da auditoria têm sofrido com os incêndios florestais que atingem o país. Patrimônio Natural da Humanidade, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, por exemplo, perdeu 9 mil hectares de sua vegetação em 6 dias de fogo.
Já os focos de fogo no Parque Nacional da Tijuca, que recebeu 4,5 milhões de visitantes no ano passado, foram parcialmente responsáveis pela fumaça que encobriu a região metropolitana da capital fluminense.
Veja abaixo a íntegra da manifestação do ICMBio:
É missão do ICMBio promover a conservação da biodiversidade brasileira,especialmente com foco nas UCs, assim como garantir a promoção da visitação nestas áreas protegidas, conforme A Lei 11516 de 2007.
V - promover e executar, em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos, programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas unidades de conservação, onde estas atividades sejam permitidas.
O cumprimento destes propósitos é dificultado pelo sucessivo enfraquecimento dos órgãos ambientais, o que inclui o déficit de recursos humanos e financeiros.
Tal enfraquecimento foi recepcionado pela atual gestão, que vem empreendendo esforços para equacionar estes problemas.
Apesar destas fragilidades, o ICMBio entende que deve trabalhar para ampliar e melhorar o acesso e usufruto das UCs através da visitação pública, pois esta é uma das principais estratégias para democratizar os benefícios providos pela conservação da natureza, assim como promover a valorização destes espaços pela sociedade.
Para tanto, uma das formas de se estruturar essa visitação e ofertar serviços de apoio ao visitante é por meio de contratos de concessão.
Hoje o ICMBio conta com 11 contratos de concessão de serviços de apoio à visitação englobando parques nacionais que possuem como característica comum, a visitação consolidada com um perfil diversificado de visitante. Para estes visitantes, há serviços disponíveis como transporte no interior dos parques, lanchonetes, lojas de lembranças entre outros. Há estruturas de passarelas, mirantes, banheiros dentre outras que auxiliam a visita e permanência de públicos com mobilidade reduzida por exemplo.
A gestão de cada contrato é realizada por uma comissão de fiscalização e monitoramento que conta exclusivamente com servidores públicos. Para apoio à essas comissões, o ICMBio conta com suporte de especialistas como economistas, contadores, apoio jurídico entre outros.
A auditoria realizada nos contratos de concessão teve como objetivo avaliar a capacidade institucional do ICMBio para realizar a gestão e a fiscalização desses contratos. O relatório descreve os achados (fragilidades identificadas) e recomendações. Para além disso, o relatório indica boas práticas verificadas no processo de gestão.
Ao longo do processo de auditoria, alguns achados foram sanados como a transparência ativa de documentos e normativas relacionadas aos contratos de concessão conforme é possível verificar no link.
Adicionalmente, o ICMBio publicou o Relatório Anual de Concessões de 2023, que apresenta o acompanhamento e a avaliação dos contratos de concessão vigentes, incluindo informações sobre os serviços prestados, metas alcançadas e impactos gerados nas unidades de conservação e no sistema. Sendo o relatório uma das ferramentas para garantir a prestação de contas à sociedade e o aprimoramento contínuo dos processos de concessão, consolidando as melhores práticas de governança e gestão. O último relatório pode ser acessado aqui.
A normativa de gestão de contratos foi atualizada, prevendo nova estrutura de governança para a gestão de contratos, afastando algumas das fragilidades identificadas, conforme link.
A estrutura de recursos organizacionais ainda é insuficiente para gerir de forma adequada os contratos de concessão, e precisa ser sanada com a alocação de novos servidores a partir de concursos do ICMBio, com vagas autorizadas, preferencialmente para analistas administrativos e ambientais. Já está previsto um concurso para suprir parte deste déficit, conforme link.
Os mecanismos de provisão de recursos financeiros para melhoria na gestão dos contratos estão sendo normatizados em instrumento interno estando este em fase de consulta pública interna para posterior consulta pública externa e publicação.
Todos os contratos contam com pesquisa de satisfação dos visitantes acerca dos serviços prestados que tem indicadoavaliações, predominantemente, entre bom e excelente. Além do olhar do visitante, cada parque nacional conta com o acompanhamento de seus conselhos, em diversos momentos como nas etapas de planejamento da visitação,apresentação de projetos estruturantes e prestação de contas.
Em relação ao monitoramento dos impactos da visitação, o ICMBio conta com Roteiro Metodológico para Manejo dos Impactos da Visitação desde 2011. Além disso, o ICMBio promove capacitações na temática e auxilia os gestores neste monitoramento. Em geral, esta é uma atribuição realizada pelo ICMBio, que foi incorporada em contratos mais novos. Nestes, estamos em fase de padronização de metodologia para que sejam produzidos os devidos relatórios que demonstrem este acompanhamento.
O ICMBio vem buscando o aprimoramento da gestão dos contratos de concessão por confiar que esta é uma ferramenta eficaz na promoção da diversificação de atividades e serviços de apoio à visitação, trazendo mais qualidade na experiência do visitante e atraindo públicos diversos que dependem de uma melhor estruturação em um parque nacional, contribuindo para a democratização de acesso e usufruto das UC.
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