Em meio à queda da violência no Brasil, o país voltou a registrar, em 2024, alta nos feminicídios – assassinatos de mulheres por serem mulheres – e viu as mortes de crianças e adolescentes subir, segundo o Anuário da Segurança divulgado nesta quinta-feira (24) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O estudo existe desde 2011 e mapeia os registros criminais feitos anualmente pelas secretarias de segurança pública dos 26 estados e do DF.
Ao todo, o país teve 1.492 mulheres assassinadas em 2024. É o maior número de feminicídios já registrado pelo estudo desde 2015, quando a legislação brasileira passou a definir esse crime, e uma alta de 1% em relação a 2023.
Mortes de crianças e adolescentes
As mortes intencionais de crianças e adolescentes de até 17 anos cresceram mais: 4%. Foram 2.356 vítimas. A alta quebra uma tendência de queda que vinha desde 2020.
Segundo o Fórum, a alta foi puxada pelas mortes de adolescentes em intervenções policiais. em 2023, las representaram 17% dos assassinatos de adolescentes. Em 2024, essa fatia passou para 19%.
Queda nos assassinatos em geral
A alta nos registros de feminicídios e de homicídios de crianças e adolescentes vai na direção oposta à tendência de queda nas mortes violentas intencionais mapeadas pelo Anuário, que recuaram 5,4% de 2023 para 2024.
Foram 44.125 mortes intencionais registradas no Brasil em 2024, entre:
Segundo o Fórum Brasileiro, a queda de mortes violentas está em um "ciclo virtuoso" que teve início em 2018, com redução de 25% em todo país e quedas em todas as regiões: Norte (-21%), Nordeste (-11%), Centro-Oeste (-44%), Sudeste (-32%) e Sul (-3%).
A diminuição acontece, segundo o estudo, pelos seguintes fatores:
* Implementação de políticas públicas de segurança orientadas por evidências, com programas de gestão por resultados e iniciativas multissetoriais de prevenção à violência;
* mudanças demográficas pelas quais passa o país, com redução do número de adolescentes e jovens na população, grupo historicamente mais exposto à violência letal;
* e políticas de controle de armas.
"Embora as políticas públicas de segurança tenham papel relevante na redução dos homicídios, outro fator que tem influenciado variações nas taxas de violência letal diz respeito às dinâmicas entre organizações criminosas. Conflitos e tréguas entre facções podem desencadear aumentos ou quedas abruptas nos índices de violência", afirma o documento.
As 10 cidades mais violentas do país se concentram no Nordeste. Todas, segundo o Fórum, enfrentam justamente conflitos de facções pelo controle da criminalidade local e o tráfico de drogas.
Os estados com maiores taxas de violência por 100 mil habitantes são Amapá (45,1), Bahia (40,6) e Ceará (37,5). Já os com menores são São Paulo (8,2), Santa Catarina (8,5) e Distrito Federal (8,9).
Desaparecimentos sobem
Enquanto as mortes violentas caíram, os registros de desaparecimentos no país subiram. A alta em um ano foi de 5%, segundo o levantamento. Em 2024, os casos de desaparecidos somavam 81.873, contra 77.725 em 2023.
O estudo indica que os desaparecimentos subiram em estados historicamente mais violentos, mas que registraram queda nos assassinatos entre 2023 e 2024.
No Amapá, onde as mortes violentas caíram 30%, os desaparecimentos subiram 27%. Na Bahia, os homicídios diminuíram 8,4%, e os desaparecimentos aumentaram 15%. Já no Sergipe, os assassinatos caíram 24%, e os casos de desaparecidos subiram 20%.
Para o Fórum, a alta nos registros de desaparecimentos pode estar ocultando um aumento nas mortes violentas.
"Trata-se de territórios marcados por intensas disputas entre organizações criminosas pelo controle do tráfico de drogas e por elevadas taxas de letalidade policial, o que levanta a hipótese de que parte da violência nesses contextos esteja sendo ocultada sob a forma de desaparecimentos", diz o documento.
Vítimas de feminídio
Segundo o levantamento, a maior parte das vítimas de feminicídio em 2024:
Eram mulheres negras (64%);
tinham 18 e 44 anos (70%);
foram mortas dentro de casa (64%);
foram mortas por um homem (97%);
eram vítimas de companheiros ou ex-companheiros (80%);
foram assassinadas com uso de uma arma branca (48%) ou arma de fogo (24%).
Parte das mulheres vítimas de feminicídio possuía medida protetiva de urgência ativa contra um companheiro ou ex-companheiro.
"Ao menos 121 mulheres foram mortas nos anos de 2023 e 2024 com Medidas Protetivas de Urgência ativas no momento da morte. Consideradas um dos principais mecanismos legais de enfrentamento à violência letal de gênero, essas medidas, isoladamente, têm se mostrado insuficientes", afirma a pesquisadoras Isabella Matosinhos.
Além dos feminicídios, as tentativas do crime também cresceram de 2023 para 2024: de 3.288 para 3.870, alta de 19%.
Recorde de estupros
O Anuário da Segurança indica que uma pessoa foi estuprada a cada 6 minutos no Brasil em 2024: foram 87.545 vítimas de estupros ou estupros de vulnerável.
A alta em comparação aos 86.379 registros de 2023 se aproxima de 1%, assim como os feminicídios, mas apontam para o maior número da série histórica medida pelo estudo. A alta é de 100% desde 2011, início da divulgação do Anuário.
"O aumento na quantidade de estupros registrados anualmente pode, em parte, ser interpretado como um aumento na disposição das vítimas (ou de seus responsáveis) em denunciar", afirma o estudo.
Entre as vítimas, três em cada quatro tinham até 14 anos, o que configura estupro de vulnerável.
"No entanto, ainda que um maior nível de notificação possa contribuir para essa elevação, o fato de mais de 87 mil casos serem oficialmente registrados por ano – e o fato de 76,8% desse total representar estupros de vulnerável - revela a dimensão e a persistência da violência sexual."
Além dos estupros, outros indicadores de violência sexual monitorados pelo Anuário apresentaram alta quando comparado a 2023: assédio sexual (7%), importunação sexual (5%) e pornografia (13%).
Outros destaques do Anuário:
* 1 em cada 5 medidas protetivas com urgência concedidas pela Justiça brasileira foram descumpridas pelos agressores em 2024;
* registros de roubos e furtos de celulares caíram 12,6%, mas o número de aparelhos tomados das pessoas supera 917 mil. Quinta e sexta são dias com mais roubos de celulares no país;
* dos aparelhos roubados, as polícias brasileiras recuperaram 1 em cada 12 ao longo do ano passado. A quantidade representa 8% dos 917 mil aparelhos levados;
* as 10 cidades mais violentas do Brasil estão concentradas no Nordeste, metade delas na Bahia. Segundo o estudo, os municípios sofrem com disputas de facções pelo controle do tráfico de drogas. Veja a lista;
* o investimento dos governos federal, estaduais e municipais em segurança pública cresceu 6% e chegou a R$ 153 bilhões em 2024; as cidades investiram 60% mais do que em 2021;
* os registros de novas armas caíram 79% de 2022, último ano do governo Jair Bolsonaro (PL), para 2024, já no governo Lula (PT). A fabricação de armas no país caiu 92,3% de 2021 a 2024;
* o total de pessoas presas cresceu 6% no Brasil em 2024 e chegou a 909.594. No entanto, há déficit de vagas, que supera 237 mil em todo país. Há, ainda, 13% da população carcerária que cumprem pena com tornozeleira eletrônica em prisão domiciliar;
* os estados de RN e SC lideram as interrupções de aulas por conta de violência no entorno das escolas ou creches públicas, como ataques e toques de recolher; RJ é o 3º;
* há crescimento nos casos de bullying e cyberbullying. Vítimas de bullying são, majoritariamente crianças partir de 10 anos (47%) e, no cyberbullying, adolescentes de 14 e 17 anos (58%).
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