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Efeitos na saúde e no mercado

Licença-paternidade de 20 dias: os benefícios da ampliação para os pais

Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (04/11) projeto que amplia de cinco para 20 dias a licença-paternidade no Brasil; texto agora segue para o Senado

BBC News

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (04/11) um projeto que amplia gradualmente de cinco para 20 dias a licença-paternidade, com pagamento da remuneração integral.

A votação foi simbólica, ou seja, sem registro de votos individuais dos deputados.

Agora, a proposta voltará para análise do Senado, origem do projeto.

O texto prevê a implementação ao longo de quatro anos. Assim, nos dois primeiros anos, a licença seria de 10 dias, passando para 15 dias no terceiro ano e 20 dias no quarto ano.

Mas isso está condicionado a metas fiscais para o governo federal, que no segundo ano de vigência da lei deverá cumprir essas metas para que a licença de 20 dias passe a valer a partir do quarto ano.

Se a meta não for cumprida, os 20 dias só serão aplicados a partir do segundo exercício financeiro seguinte àquele em que a meta for cumprida, prevê o texto aprovado por deputados.

Por ter passado por mudanças na Câmara, o projeto precisa voltar para o Senado.

Inicialmente, o relator da proposta, o deputado federal Pedro Campos (PSB-PE), havia previsto uma licença de 30 dias.

Entretanto, por preocupações dos parlamentares com o orçamento da Previdência, que bancará a licença, o período previsto no projeto ficou em 20 dias.

São contemplados funcionários com carteira assinada, trabalhadores avulsos e microempreendedores individuais (MEI).

A regra deve valer para o cuidado de recém-nascidos, de crianças adotadas e de menores cuja guarda foi obtida judicialmente.

Caso esses filhos tenham alguma deficiência, a licença aumentará em 1/3.

O projeto também prevê a proteção contra demissões sem justa causa durante a licença e até um mês depois de seu término.

Também há um trecho específico sobre a aplicação da licença para casais gays. A BBC News Brasil está buscando esclarecer esse ponto, mas ele parte do pressuposto de que as duas pessoas em união homoafetiva não podem usufruir do mesmo tipo de licença.

Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinaram que duas mulheres que tenham um filho ou uma filha não podem ter ambas licença-maternidade — uma delas deve obter a licença-paternidade.

Com o projeto, o programa Empresa Cidadã, que amplia a licença-maternidade e licença-paternidade em troca de dedução no Imposto de Renda, somaria os 15 dias adicionais do programa aos 20 dias previstos pela nova lei (em vez de 15 dias somados aos 5 previstos pela lei atual).

O projeto original que gerou o texto atual tramita no Congresso desde 2008.

Em julho deste ano, venceu o prazo estabelecido pelo STF para que o Congresso regulamentasse a licença-paternidade no país.

Desde 1988, a Constituição garante o direito à licença-paternidade.

Segundo a Carta Magna, essa licença seria de cinco dias, enquanto não fosse aprovada lei regulamentando o direito — por isso o STF impôs um prazo para o posicionamento do Congresso.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda ao menos 14 dias de licença-paternidade.

Entre os países com licenças-paternidades mais generosas atualmente estão Espanha (16 semanas com 100% de remuneração), Islândia (26 semanas com 80% da remuneração) e Suécia (90 dias para cada pai e 300 dias adicionais compartilháveis entre os dois, com 80% da remuneração).

Afinal, o que dizem as evidências científicas sobre esse tipo de benefício?

Licença 'tire ou perca'

A experiência internacional sugere que a licença com prazo mais longo traz benefícios diversos para as famílias, as empresas e até mesmo o país, mostram mais de 50 produções acadêmicas compiladas em uma revisão bibliográfica realizada pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP).

"A licença-paternidade é uma importante política de cuidado, que tem o papel de corresponsabilizar dentro do lar, ou seja, de dividir melhor o trabalho entre pais e mães", disse Luiza Nassif Pires, codiretora do Made e professora do Instituto de Economia da Unicamp, à BBC News Brasil em matéria publicada em agosto.

"Isso era algo que estava previsto na Constituição e que nunca foi feito, então a regulamentação tem uma importância histórica, de valorizar aquilo que estava colocado lá [no texto constitucional], respondendo à necessidade de maior comprometimento dos pais com a criação dos filhos."

No estudo realizado pelo Made-USP, a licença-paternidade estendida é analisada considerando os efeitos sobre cinco aspectos:

os pais e mães no mercado de trabalho;
a divisão do trabalho doméstico e de cuidado nas famílias;
o vínculo entre pai e criança e o desenvolvimento infantil;
a fertilidade;
e o impacto para as empresas.

Mas, antes, os pesquisadores analisam se os pais de fato usufruem da licença-paternidade remunerada estendida, quando ela é concedida.

"A resposta da literatura acadêmica a esta pergunta é que sim, contanto que o benefício seja direcionado unicamente aos homens, de forma intransferível às suas parceiras", escrevem Amanda Resende, Eslen Brito, Letícia Graça, José Bergamin e Luiza Nassif Pires, autores do estudo.

Na América Latina, por exemplo, embora a OIT recomende ao menos 14 dias de licença-paternidade, apenas Cuba, Venezuela e Paraguai oferecem esse período.

Cuba possui uma licença parental compartilhada entre pai e mãe de até 365 dias mantendo 60% dos salários, enquanto Venezuela e Paraguai têm licenças-paternidade de 14 dias.

Mas, em Cuba, somente 124 homens solicitaram o direito à licença-paternidade entre 2003 e 2014, destacam os pesquisadores do Made. No Uruguai, 2,6% dos homens utilizaram a licença até 2015 e, no Chile, onde a licença também é parental (ou seja, compartilhada entre pai e mãe), foram apenas 0,2% dos homens.

Assim, a literatura traz evidências de que licenças-paternidade no formato "tire ou perca" — ou seja, intransferível para as mães, de forma que o casal perde o período de licença caso o pai não a solicite — foram mais efetivas em diversos países.

Efeitos para pais e mães no mercado de trabalho

Segundo os pesquisadores, a maioria dos estudos não encontra efeito significativo da licença-paternidade para os pais no mercado de trabalho.

Isso, segundo eles, indica que a licença não resulta em discriminação dos empregadores em relação aos pais, em redução de salários ou em impactos negativos na evolução de suas carreiras.

Já para as mulheres, o aumento do tempo de licença-paternidade tem impacto positivo sobre rendimentos, formalização e condição de ocupação, tanto no curto prazo (até três anos após o nascimento), como num prazo mais longo.

No entanto, esse feito se dilui ao longo do tempo, de modo que não há um impacto significativo na redução da desigualdade de gênero no mercado de trabalho, ponderam os pesquisadores do Made-USP, com base na revisão bibliográfica.

Efeito sobre a divisão do trabalho doméstico e sobre o vínculo entre pai e criança
A maior parte da literatura encontra evidências de que a licença-paternidade é capaz de influenciar o comportamento dos homens, incentivando o aumento da participação masculina nas tarefas de cuidado das crianças, mas também nas tarefas domésticas em geral, inclusive no longo prazo, destacam os pesquisadores do Made-USP.

Além disso, diversos estudos feitos em países variados — como Canadá, Estados Unidos, Suécia, Noruega e Cingapura — convergem para demonstrar que o desenho da política de licença-paternidade, aliado à duração do tempo afastado e ao suporte institucional, influencia diretamente o grau de envolvimento dos pais com seus filhos.

Os estudos analisados pelo Made mostram que essa maior presença paterna possibilitada pela licença-paternidade está correlacionada com melhores resultados cognitivos para as crianças, melhora na performance escolar e promoção do desenvolvimento emocional e comportamental dos pequenos.

Luiza Nassif Pires, do Made, observa que os estudos também mostram que os pais que participam mais da criação dos filhos tendem a ser menos violentos com as crianças e as mulheres — então, também há efeitos positivos para a redução da violência doméstica.

Efeito sobre a fertilidade

Os efeitos das licenças parentais sobre a fertilidade são relevantes num mundo com taxas de natalidade em queda, com populações envelhecidas e menor número de pessoas em idade ativa — que sustentam o desenvolvimento econômico e o sistema previdenciário dos países —, observam os pesquisadores do Made.

Entre as causas das baixas taxas de fertilidade estão as desigualdades de gênero, sejam elas domésticas (por exemplo, a responsabilização desigual das mulheres pelas tarefas do lar e de cuidado dos filhos) ou estruturais (por exemplo, o efeito negativo da maternidade sobre os salários das mulheres, licenças insuficientes, escassez de creches e de redes de suporte, entre outros).

No entanto, alguns estudos mostram que uma oferta única de licença-paternidade não seria suficiente para elevar as taxas de fertilidade, principalmente em países mais ricos, onde as condições financeiras favoráveis e a alta participação feminina no mercado de trabalho tornariam as taxas de fertilidade menos sensíveis à iniciativa.

"Todavia, o achado mais interessante foi que, em países menos ricos e menos igualitários – como é o caso do Brasil –, a licença-paternidade se apresentava como fator impulsionador das taxas de fertilidade independentemente da taxa de participação feminina", destacam os economistas da USP.

"Os pesquisadores concluíram que esse resultado pode sugerir que políticas de licença reduzem inseguranças econômicas (mesmo em contextos de pobreza crônica) e que normas culturais de formação familiar podem se sobrepor a preocupações financeiras", acrescentam.

Efeitos para as empresas
Por fim, os pesquisadores do Made-USP analisaram o que a literatura diz sobre os efeitos da licença-paternidade para as empresas e encontraram benefícios como a maior retenção de talentos, com a redução do número de demissões voluntárias.

Mas, em sua Agenda Legislativa da Indústria de 2025, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) indicou ter ressalvas à proposta de ampliação da licença-paternidade para 15 dias.

"Embora a medida seja meritória, o aumento da licença-paternidade seria melhor tratado no âmbito do programa Empresa Cidadã, nos moldes da licença-maternidade, ou por meio de negociação coletiva, que permite atender às peculiaridades do caso concreto, respeitadas as necessidades de empregados e empregadores", argumentou a CNI em seu documento.

"A ausência ao trabalho de um empregado pode assinalar sensível redução da mão de obra, em especial para as micro e pequenas empresas, principais empregadoras", pondera a entidade representativa da indústria.

Nassif-Pires defende a licença-paternidade, entre outros motivos, para evitar a chamada "penalidade da maternidade", quando a trajetória profissional das mulheres é quebrada quando se tornam mães.

Mas a licença não pode ser uma política isolada, defende a professora da Unicamp.

"Não é só o envolvimento ali no primeiro momento do pai, mas também, por exemplo, creches públicas, escolas de tempo integral. É, de fato, criar essa responsabilidade [pelo cuidado], que também envolve um papel maior do Estado", apontou a pesquisadora.

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