O relator do projeto antifacção, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), propôs alterações significativas no texto enviado pelo governo ao Congresso Nacional. Isso provocou reação na base governista, que critica as mudanças.
Segundo essas avaliações, o substitutivo do relator pode abrir brechas para intervenções estrangeiras no Brasil.
Havia também um dispositivo que limitava a atuação da Polícia Federal (PF) em investigações, trecho que foi amenizado em nova versão apresentada pelo relator. Apesar disso, a corporação ainda vê perda de autonomia (leia mais abaixo).
A lei antifacção é a principal aposta do governo para tentar sufocar o crime organizado. A proposta surgiu a pedido do Ministério da Justiça e Segurança Pública a um grupo de trabalho, depois enxugado pelo ministro Ricardo Lewandowski e enviado ao Congresso pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A tramitação foi acelerada depois da operação da polícia do Rio de Janeiro nas comunidades da Penha e do Alemão.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que afirma não querer “polarizar” a discussão, escolheu Derrite para a relatoria.
Derrite está licenciado, desde a última semana, do cargo de secretário de Segurança Pública do governo Tarcísio de Freitas, potencial adversário de Lula em 2026, para relatar o PL.
Derrite manteve parte do texto enviado pelo Executivo, mas fez alterações estruturais, indo além de pontos como aumento de penas, infiltração de delatores e criação de um banco nacional de organizações criminosas.
Facção criminosa x Lei Antiterrorismo
A proposta enviada pelo Executivo modifica a Lei das Organizações Criminosas, elevando as penas de 3 a 8 anos para 5 a 10 anos.
O texto também cria a figura da “organização criminosa qualificada” — ou “facção criminosa” — com pena máxima de 15 anos quando houver domínio territorial baseado em violência, coação ou ameaça.
Derrite seguiu outro caminho. O relator incluiu na Lei Antiterrorismo condutas atribuídas a organizações criminosas, milícias e grupos paramilitares, sujeitando esses crimes às mesmas penas aplicadas a atos terroristas.
Para o governo, essa mudança é uma das mais problemáticas: ao enquadrar ações de facções na legislação antiterror, Derrite abre espaço para intervenções estrangeiras sob a justificativa de combate ao terrorismo.
Para analistas do governo, a ideia de equiparar facções criminosas — como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) — a grupos terroristas pode trazer danos econômicos e diplomáticos para o Brasil, sem a garantia de que essa medida seja realmente eficiente contra o crime organizado.
Agravantes
Enquanto o governo endurece a Lei de Organizações Criminosas, o relator inclui na Lei Antiterrorismo 11 condutas de organizações criminosas e milícias, como:
coagir a população ou agentes públicos com violência para dominar áreas;
usar ou ameaçar usar explosivos, gases tóxicos, agentes biológicos ou armas;
promover ataques contra instituições prisionais;
incendiar, depredar, saquear ou explodir meios de transporte.
O substitutivo cria 8 agravantes, aumentando pena de metade a dois terços quando o crime for praticado pelo chefe da organização, mesmo que ele não execute o ato.
O governo também previa agravantes semelhantes, mas com aumento maior: de dois terços ao dobro.
Derrite ainda torna esses crimes insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e livramento condicional, e veda o pagamento de auxílio-reclusão para dependentes — ponto que não estava na proposta do Executivo.
Competência da Polícia Federal
Esse é outro eixo de divergência entre governo e relator.
Em parecer publicado na semana passada, Derrite estabelecia que caberia às polícias civis estaduais investigar organizações criminosas envolvidas nos atos definidos como terroristas.
A PF atuaria apenas quando:
houvesse repercussão interestadual ou transnacional;
houvesse risco à segurança nacional ou à ordem pública internacional;
o Ministério da Justiça determinasse atuação conjunta mediante provocação do governador.
Assim, a PF teria de ser demandada pelos estados para investigar facções em seus territórios. O governo viu relação entre essa regra e a Operação Carbono Oculto, deflagrada pela PF contra o PCC em outubro.
Em nova versão protocolada na noite desta segunda-feira (10), Derrite amenizou o trecho e agora permite a participação da PF por iniciativa própria, desde que os fatos investigados envolvam matérias de sua competência constitucional ou legal.
Na nova versão, o parlamentar continua mantendo a competência das polícias civis para investigar os atos, com controle externo dos ministérios públicos estaduais, mas permite a participação da PF por iniciativa própria, sem provocação do governador.
Apesar disso, a proposta destaca que a atuação da PF não desloca automaticamente a competência para julgar os processos para a Justiça Federal.
Conforme a nova versão da proposta, a PF poderá participar das investigações em “caráter integrativo com a polícia estadual respectiva, sempre que algum dos fatos investigados envolver matérias de sua competência constitucional ou legal”.
O projeto estabelece que a participação da PF ocorrerá:
por meio de solicitação fundamentada do delegado de polícia estadual ou do Ministério Público estadual competente;
por iniciativa própria, através de comunicação às autoridades estaduais competentes.
"A atuação integrada das forças de segurança federais e estaduais ocorrerá, preferencialmente, por meio das Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (FICCO), ou de outras estruturas formais de cooperação no âmbito do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), observados os princípios da coordenação, subsidiariedade e cooperação federativa", diz a proposta.
Segundo o Blog da Ana Flor, integrantes da cúpula da PF entendem que mesmo com as alterações o texto continua retirando autonomia da corporação para iniciar investigações contra facções criminosas.
A nova formulação também foi criticada. Em nota publicada após o telefonema, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, afirmou que "não há e não haverá acordo que implique em supressão das atribuições e autonomia da Polícia Federal".
Infiltração de delatores
Tanto o governo quanto Derrite ampliam a possibilidade de infiltração: hoje, a lei permite apenas infiltração de policiais. Agora, ambos os textos permitem a infiltração de colaboradores.
O acordo de colaboração poderá prever infiltração ou permanência encoberta. Órgãos de registro deverão emitir identidades fictícias.
Banco Nacional de Organizações Criminosas
Os dois textos criam o banco nacional. A diferença: Derrite fixa prazo de 180 dias para que o Executivo publique o ato que instituirá o sistema. O governo não previa prazo, somente que ele será regulamentado por decreto.
No novo texto protocolado, Derrite também estabelece a criação dos Bancos Estaduais de Organizações Criminosas, paramilitares ou milícias privadas.
Aumento de penas
Derrite endurece ainda mais o texto original. Entre os pontos:
Homicídio no contexto de atos equiparados ao terrorismo passa a ter pena de 20 a 40 anos.
O governo previa apenas incluir o homicídio a mando de facção como qualificadora (12 a 30 anos).
O Executivo aumenta a pena da constituição de milícia privada para 8 a 15 anos — ponto que Derrite não incorporou.
O relator ainda aumenta penas de:
Lesão corporal: de 3 meses a 1 ano para 6 a 15 anos;
Ameaça: cria pena de 1 a 3 anos se ligada a atos “terroristas”;
Sequestro/cárcere privado: 8 a 12 anos;
Furto: de 1 a 4 anos para 4 a 10 anos;
Roubo com morte no contexto de organizações criminosas: 20 a 40 anos.
Extorsão cometida no contexto das organizações criminosas em atos equiparados a terrorismo: 6 a 15 anos.
Extorsão mediante a sequestro: 15 a 25 anos. Se resulta em morte, a pena é de 20 a 40 anos.
Membros do governo criticam a fixação da mesma faixa de pena (20 a 40 anos de prisão) para todas as condutas ligadas a organizações criminosas, sem diferenciar a função ou o grau de envolvimento de cada pessoa.
Crime hediondo
Derrite: inclui crimes equiparados a terrorismo como hediondos.
Governo: inclui participação em facção e milícia no rol de hediondos.
Crime hediondo é definido como de extrema gravidade. Pela Constituição, esses crimes são inafiançáveis e não podem receber graça ou anistia, responsabilizando também quem os ordena ou se omite diante deles.
Lei de Execução Penal
Os dois textos permitem monitoramento por vídeo e áudio de encontros dos presos com visitantes — exceto com advogados, salvo em casos de fundadas suspeitas de conluio.
Progressão de pena
Outro ponto em que Derrite endurece além do governo:
Crimes hediondos: progressão só após 70% da pena (hoje é 40%).
Hediondo com morte ou chefia de facção/milícia: sobe de 50% para 75%.
Derrite inclui o feminicídio como agravante para cálculo da progressão.
Reincidentes em hediondos: de 60% para 80%.
Hediondo com morte para reincidentes: de 70% para 85%.
Punições adicionais
Derrite exige que chefes de organizações cumpram pena em Regime Disciplinar Diferenciado em unidades de segurança máxima — medida que não constava no texto do Executivo.
Ambos os textos autorizam o juiz a:
decretar intervenção judicial e afastamento de sócios em empresas usadas por facções;
determinar perdimento total de bens oriundos de atividade ilícita.
A diferença está na destinação dos bens:
Derrite: bens ficam a cargo do governo estadual onde ocorreu o crime;
Governo: bens são alienados pelo gestor de ativos do Ministério da Justiça.
As duas versões mantêm o prazo das investigações: 30 dias para réus presos e 90 dias para soltos, prorrogáveis.
Derrite ainda incluiu no texto a previsão expressa de que os membros inscritos nos bancos nacional ou estaduais de organizações criminosas se tornam inelegíveis.
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