Alvo de resistência por parte de caciques do Centrão, a pré-candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) ao Palácio do Planalto também enfrenta percalços nos principais setores que deram sustentação ao governo do pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Representantes do agronegócio, líderes evangélicos e integrantes da bancada da segurança pública colocam em dúvida a capacidade eleitoral do parlamentar para impedir a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e indicam ver o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como nome mais bem posicionado para reorganizar a direita na disputa do ano que vem.
Interlocutores desses setores afirmam, porém, que é preciso dar um prazo para que o senador possa testar sua viabilidade política. A avaliação é de que, se Flávio não conseguir agregar apoios em dois meses, é necessário deixar o caminho livre para outro nome. Procurado, o parlamentar não se manifestou.
Flávio anunciou sua entrada na corrida eleitoral em 5 de dezembro como uma escolha do pai, que, apesar de preso, é quem continua a definir os rumos de seu grupo político. A indicação do filho como sucessor, sem consulta prévia a outros líderes da direita, não foi bem recebida por presidentes de partidos como União Brasil, PP e Republicanos, que já haviam indicado a intenção de se unir em uma candidatura de oposição ao PT em 2026.
Contenção a Tarcísio
A leitura entre líderes desses partidos do Centrão e de integrantes da chamada bancada “BBB” — Boi, Bíblia e Bala — é que o movimento de Bolsonaro de lançar o filho como candidato teve como objetivo impedir que Tarcísio avançasse como nome alternativo ao seu, enquanto está impedido de atuar politicamente. Condenado a 27 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, o ex-presidente mantém esperanças de conseguir uma anistia e escapar da pena para voltar a se candidatar. Flávio, na visão desse grupo, seguraria a vaga para o pai.
A avaliação foi reforçada após Flávio declarar, na semana passada, que sua candidatura tinha “um preço”, indicando que poderia retirá-la em troca do perdão jurídico a Jair. Depois, porém, mudou o discurso para dizer que a entrada na disputa era “irreversível”, mas aliados têm alertado sobre as dificuldades que enfrentará para que a postulação se sustente até a campanha eleitoral.
Um dos exemplos é a falta de apoio entre representantes do agronegócio. Nomes do setor afirmam que Flávio é visto como figura lateral, sem atuação consistente em agendas consideradas prioritárias pelo grupo, como crédito rural, regularização fundiária e abertura de mercados.
Já Tarcísio é apontado como alguém com serviços prestados na área. Quando foi ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, foi responsável, entre outras medidas, por apresentar o Plano Nacional de Logística à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Além disso, como governador, acelerou um programa de regularização fundiária que negociou terras públicas com descontos e agradou ao setor.
Para Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), vice-presidente da FPA, o governador paulista já era percebido como “opção natural” ao Planalto muito antes de o senador se colocar no tabuleiro eleitoral:
— Acho que os setores produtivos pressionarão para que o Tarcísio lance a candidatura. Flávio vai andar no bolsonarismo, sem apoio dos outros segmentos. Tarcísio tem trajetória no agro. Já Flávio é um total desconhecido.
Para se contrapor a esse discurso, Flávio tem procurado empresários do ramo e integrantes da bancada para dizer que seguirá a política do governo do pai, que interrompeu assentamentos de sem-terra, por exemplo.
— Flávio tem o legado do pai, a experiência no Senado e boa formação. São credenciais que devem ser usadas para abrir portas — pondera Evair de Melo (PP-ES), deputado mais ligado ao bolsonarismo.
Fiéis preferem Michelle
Os primeiros levantamentos eleitorais divulgados após o anúncio da pré-candidatura de Flávio demonstram a preferência do eleitorado de direita por outros nomes. Mesmo entre evangélicos, segmento em que o bolsonarismo se sai melhor, é a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro quem aparece à frente, segundo pesquisa Ipsos/Ipec divulgada na semana passada.
Enquanto Lula lidera com 38% no total do eleitorado, seu desempenho cai para 26% entre evangélicos. Nesse recorte, o petista fica numericamente atrás de Michelle, que concentra 32% das intenções de voto e aparece como o nome mais competitivo da família Bolsonaro junto aos fiéis.
No cenário em que Flávio é testado como herdeiro político do pai, o senador sobe de 19% no agregado para 25% entre evangélicos, resultado que o coloca em empate técnico com Lula, mas ainda abaixo do desempenho de Michelle, reforçando a leitura de líderes religiosos de que é a ex-primeira-dama quem mantém maior capacidade de mobilização nesse público. A margem de erro da pesquisa, para o recorte, é de quatro pontos percentuais para mais ou para menos.
A resistência ao nome de Flávio também é percebida na bancada evangélica do Congresso. Ao longo da semana, O GLOBO procurou seus integrantes: sete deputados defenderam a candidatura, enquanto outros 23, sob reserva, fizeram críticas. A maioria evitou responder publicamente.
Aliado político do líder da bancada do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, foi um dos que criticaram a pré-candidatura de Flávio, dizendo considerar “amadorismo da direita”. Já Robson Rodovalho, da Sara Nossa Terra, avalia que ainda é cedo para a definição e não descarta que o senador recue.
— Se Flávio desistir, pode ter Tarcísio ou Michelle, que é atuante no meio evangélico e, por ser mulher, tem um apelo. Flávio é mais discreto — afirma ele. — Acho que a primeira coisa é não ter pressa. O ambiente está extremamente embolado. Temos que ver o que vai se desenrolar com Bolsonaro, se a dosimetria vai avançar no Senado. E vamos ver se o Flávio vai conseguir unir os partidos. Ainda há muitas definições em aberto.
Tarcísio, embora católico, consolidou espaço crescente no segmento. Ele intensificou visitas a templos, ajustou o discurso e viralizou com vídeos de pregações, como o trecho em que diz que “Deus é o Deus do impossível; faça o possível, o impossível deixe comigo”.
Papel secundário
Na bancada da bala, por sua vez, parlamentares afirmam que Flávio não sustenta o mesmo discurso de enfrentamento que mobilizou policiais e militares em favor da figura do pai. O argumento mais repetido é que o senador tem uma trajetória limitada na área, não dialoga com corporações e não reproduz o tom de confronto que marcou a articulação de Jair com esse eleitorado.
Embora seja presidente da Comissão de Segurança do Senado, o herdeiro de Bolsonaro tem exercido papel secundário nas discussões sobre o tema, que é sensível para a esquerda e pode trazer dividendos para a direita. Flávio não fez parte da cúpula da CPI do Crime Organizado, tampouco foi escolhido relator do PL Antifacção no Senado, embora tenha feito esse pleito ao presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP).
Tarcísio, por sua vez, acumulou atributos considerados essenciais pelo segmento ao investir em operações policiais em São Paulo, defender o endurecimento penal e verbalizar apoio explícito à redução da maioridade penal. Em declaração no mês passado, chancelou a adoção da prisão perpétua no Brasil, medida classificada por ele mesmo como “radical”.
— Eu defendo algumas mudanças (na legislação) que são até radicais. Que a gente comece a enfrentar o crime com a dureza que o crime merece ser enfrentado. Não acho, por exemplo, nenhum absurdo você ter prisão perpétua no Brasil — disse em encontro com representantes do mercado financeiro em São Paulo no dia 28 de novembro.
O setor financeiro foi outro a não receber bem a pré-candidatura de Flávio. No dia do anúncio, a Bolsa caiu e o dólar registrou a maior alta do período, movimento associado ao aumento da incerteza política.
Ciente das resistências, o senador iniciou uma ofensiva junto ao mercado, concentrada em São Paulo. Na quinta-feira, participou de um almoço com empresários na sede do banco UBS, em uma tentativa de atraí-los da órbita de Tarcísio. O encontro reuniu cerca de 40 convidados, entre eles Flávio Rocha (Riachuelo), Richard Gerdau (Gerdau), Alexandre Ostrowiecki (Multilaser) e Mario Araripe (Casa dos Ventos), e foi descrito por participantes como um primeiro movimento para “apresentar o senador” ao empresariado paulista.
De acordo com os presentes, Flávio disse que, caso eleito, repetirá a linha adotada pelo ex-ministro Paulo Guedes na gestão Bolsonaro. Ainda assim, quem esteve no encontro relatou dúvidas se a empreitada do senador é mesmo “irreversível”.
Os obstáculos no caminho
Agronegócio - Flávio Bolsonaro é visto como figura lateral na área, sem uma atuação consistente em agendas consideradas prioritárias pelo grupo. Enquanto isso, Tarcísio de Freitas atraiu apoio após medidas que beneficiam o setor como governador de São Paulo, como na área de regularização fundiária.
Igrejas evangélicas - Líderes de grandes agremiações evitaram declarar apoio à candidatura de Flávio. Pesquisas eleitorais mostram que Michelle Bolsonaro tem melhor desempenho no segmento, reforçando a leitura de parte dos religiosos de que é a ex-primeira-dama quem mantém maior capacidade de mobilização nesse público.
Segurança pública - A avaliação de integrantes da bancada da bala é que Flávio tem trajetória limitada na área. Embora seja presidente da Comissão de Segurança do Senado, tem exercido papel secundário nas discussões sobre o tema, que é sensível para a esquerda e pode trazer dividendos para a direita.
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