Um relatório preliminar de autoria aberta no fim do ano passado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a atuação da segurança pública federal nos crimes de abuso e de exploração sexual de crianças e adolescentes na internet identificou lacunas normativas que dificultam o combate ao abuso infantil online, além de falta de políticas públicas para lidar com a questão.
O R7 teve acesso ao documento produzido pelo TCU com os resultados iniciais da auditoria feita pela Secretaria de Controle Externo de Governança, Inovação e Transformação Digital do Estado. O relatório foi enviado a ministérios do governo que abordam o tema para que as pastas ofereçam sugestões e comentários. O documento pode receber modificações antes de ser disponibilizado para análise dos ministros do TCU.
A reportagem questionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania sobre as constatações preliminares do TCU, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
Entre outros pontos, a auditoria constatou a ausência de uma política pública específica para prevenção e combate aos crimes sexuais contra crianças e adolescentes na internet. Na avaliação do TCU, uma política pública não resolveria todos os problemas relacionados ao tema, mas uma iniciativa como essa é importante para que o assunto seja tratado com a devida prioridade pelo governo.
“A ausência desta política pública implica, ao final, aumento dos crimes de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes na internet e, consequentemente, maiores riscos a esta parcela tão vulnerável da população. Além disso, impõe desafios adicionais para a alocação e gestão de recursos orçamentários e financeiros, visto a não possibilidade de receber, por exemplo, emendas parlamentares para a operação, monitoramento e avaliação das ações realizadas pelo MJSP e Polícia Federal”, diz o relatório preliminar do TCU.
A auditoria do tribunal também indicou ausência de norma que regule a notificação, transferência, retirada e bloqueio de conteúdos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes na internet pelos provedores de serviços de internet. Na avaliação do TCU, isso ocorre pelo fato de o Marco Civil da Internet “ter priorizado a proteção da privacidade, a não responsabilização cível do provedor e a remoção de conteúdos ofensivos apenas mediante ordem judicial”.
Na opinião do TCU, “a eventual adoção de norma que regulamente a notificação, transferência, retirada e bloqueio de conteúdos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes na internet pelos provedores ajudaria a identificar mais rapidamente criminosos e vítimas, já que estas empresas têm acesso a dados e informações cruciais para investigações policiais”.
Além disso, o tribunal diz que, para as vítimas, a medida “evitaria o prolongamento do trauma e o risco de revitimização”.
Lacunas no Plano Nacional de Segurança Pública e na lei de crimes hediondos
O TCU também considera como problema para o enfrentamento ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes na internet a ausência de ações no PNSP (Plano Nacional de Segurança Pública) contra esses atos. O órgão entende que a inclusão de ações estratégicas e metas relacionadas ao tema em uma futura revisão do plano é uma medida importante para “assegurar que as ações dos órgãos de segurança pública do país possam ser monitoradas e avaliadas”.
Segundo a auditoria do tribunal, “a ausência de ações relacionadas ao combate à violência sexual contra crianças e adolescentes na internet no PNSP pode ter como efeito a redução das operações realizadas, em função da priorização do combate a outros tipos de delitos que estejam associados a ações previstas na citada norma, a exemplo dos homicídios”.
Além disso, para a área técnica do TCU, algumas condutas relacionadas à violência sexual contra crianças e adolescentes na internet previstas no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) deveriam ser crimes hediondos (que são inafiançáveis e não são passíveis de benefícios que perdoam ou reduzem penas), como:
- Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente (com pena de quatro a oito anos de prisão mais multa).
- Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (com pena de quatro a oito anos de prisão mais multa).
- Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (com pena de três a seis anos de prisão mais multa).
Uso de inteligência artificial e venda de material pornográfico
A auditoria do TCU destacou que é preciso mudar o ECA para considerar como crime o uso de inteligência artificial para a produção de conteúdo relacionado à violência sexual contra crianças e adolescentes na internet. Na avaliação do tribunal, eventual lei que promova essa mudança deve obrigar que as empresas detentoras de aplicações de inteligência artificial detectem, relatem e removam tentativas de criação desse tipo de conteúdo usando suas ferramentas.
Outra falha constatada pelo trabalho do tribunal foi a falta de um sistema nacional de rastreamento de operações financeiras envolvendo o comércio de material de abuso sexual infantil. No relatório preliminar, o TCU sugere ao governo federal que estabeleça formas de cooperação com organizações públicas e privadas, incluindo o sistema financeiro, para coibir a monetização do abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.
“O rastreamento de operações financeiras é capaz de incrementar a capacidade dos agentes investigativos de identificar os infratores, pois não é apenas o responsável pelo compartilhamento da informação que deve ser punido, o indivíduo que paga pelo acesso ao conteúdo ilícito também tem de ser responsabilizado”, afirma o tribunal.
Ao fim do processo relacionado à auditoria, o TCU deve encaminhar os resultados ao governo federal e ao Congresso Nacional para sugerir as adequações necessárias em normas do Executivo e leis para fortalecer a proteção de crianças e adolescentes no ambiente online.
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