Após meses de sobrecarga, noites em claro e crises de choro, uma engenheira industrial obteve na Justiça o reconhecimento de que desenvolveu síndrome de burnout, doença que tem relação direta com as condições do trabalho. A decisão da 1ª Vara do Trabalho de Rondonópolis condenou a multinacional do setor de alimentos a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais, além de indenização substitutiva referente ao período de estabilidade provisória previsto em lei.
Na ação, a ex-empregada contou que foi contratada como engenheira de processos júnior em Nova Mutum, mas logo nos primeiros meses passou a acumular atividades de outras áreas devido a afastamentos de colegas durante a pandemia. Além de suas atribuições, assumiu temporariamente funções de analista de processos, painel de controle e apoio em campo.
A engenheira afirmou que, a partir de fevereiro de 2021, começou a sentir sobrecarga e, após conversar com o gerente sobre o excesso de demandas, foi transferida, quatro dias depois, para Rondonópolis. Na nova unidade, passou a responder simultaneamente como engenheira de processos e coordenadora da fábrica, assumindo também a gestão de equipes, controle de férias, programação de manutenções, auditorias e acompanhamento de qualidade e segurança.
Segundo ela, a situação se agravou porque o telefone permanecia com ela 24 horas por dia. Nessa época, a engenheira passou a dormir muito menos porque recebia ligações durante a madrugada. Relatou que qualquer sinal do celular — até mesmo o acender da tela — já a despertava, deixando o sono cada vez mais leve, acompanhado de pesadelos e crescente angústia.
Ela contou que chegou a comentar com o superior que não estava se sentindo bem, mas virou motivo de chacota. Segundo a trabalhadora, ouviu dele que estava “tão empolgada com o trabalho que até sonhava com o serviço”. Também relatou que a primeira tarefa ao acordar era enviar o relatório das ocorrências do turno anterior e que, por volta das 5h30 ou 6h da manhã, já havia cobranças do gestor, que aguardava o resultado. Caso houvesse algum desvio, precisava justificar de imediato as causas e indicar as medidas a serem tomadas.
Cinco meses depois da transferência, pensou em pedir demissão, pois já não conseguia dormir ou manter a motivação. “Morava muito perto do trabalho, mas levava meia hora para conseguir chegar, porque precisava parar para chorar”, relatou.
Nesse período, passou a se trancar no banheiro e precisou recorrer quase diariamente à psicóloga. Por fim, foi afastada pelo psiquiatra por dois períodos de 30 dias. Ao retornar, pediu ao médico do trabalho para não ser liberada para atividades em altura, mas ouviu que, se não conseguia desempenhá-las, deveria pedir demissão. Pouco depois, foi comunicada da transferência para outro setor e, em seguida, dispensada.
A empresa negou que a engenheira tivesse ocupado cargos de liderança, sustentando que ela permaneceu como júnior. Alegou ainda não ter recebido queixas formais sobre o ambiente de trabalho, que a jornada era regular (das 7h30 às 17h) e que a transferência para Rondonópolis teve como objetivo acelerar o aprendizado.
Segundo o representante da empresa, a dispensa ocorreu por “questão de performance”, sem relação com os afastamentos médicos e que a ex-empregada já fazia terapia antes do desligamento.
Perícia e indenizações
Ao julgar o caso, o juiz Fernando Galisteu concluiu que a trabalhadora tinha razão ao apontar a ligação entre a doença e as condições de trabalho. A perícia médica constatou nexo causal direto e exclusivo, destacando sobrecarga de funções, ausência de suporte organizacional, pressão psicológica e ambiente disfuncional como fatores determinantes para o adoecimento. Conforme o laudo pericial, “não foram identificados elementos pessoais, familiares, clínicos ou pregressos que justifiquem, de forma isolada ou contributiva, o desenvolvimento do quadro”.
Com base na perícia, o magistrado reconheceu a síndrome de burnout e o transtorno de ansiedade generalizada como doenças ocupacionais e reafirmou o dever do empregador em garantir condições seguras de trabalho. “Incumbe à empregadora zelar pela integridade física dos seus empregados”, registrou o magistrado, citando a Constituição Federal e a legislação trabalhista.
A decisão também concluiu que a violação dos direitos da trabalhadora atingiu a esfera moral, prejudicando o convívio familiar e social. Para o juiz, qualquer pessoa submetida às mesmas condições enfrentaria “momentos de tensão e ansiedade capazes de afetar não apenas a vida profissional, mas também o convívio familiar e social, causando-lhe prejuízos de ordem moral.”
O magistrado ponderou que a trabalhadora não apenas precisou se afastar do emprego por longos períodos, como também conviveu com crises de ansiedade, distúrbios do sono e perda de motivação, situações que, segundo a sentença, “transbordam a esfera meramente patrimonial e atingem de forma significativa a dignidade da pessoa humana”.
Para fixar o valor da indenização, foram considerados fatores como a incapacidade parcial temporária entre o segundo semestre de 2021 e o início de 2023, além de déficit funcional de 10% atribuído ao frigorífico. Com base nesses elementos, a indenização por danos morais foi fixada em R$ 15 mil.
Além da reparação moral, a empresa foi condenada a pagar a indenização substitutiva ao período de estabilidade provisória prevista na Lei 8.213/91, que garante proteção ao trabalhador em casos de acidente ou doença ocupacional.
Setembro Amarelo
A decisão foi publicada em setembro, mês em que se intensificam as ações de conscientização sobre saúde mental e prevenção ao suicídio. A campanha reforça a necessidade de atenção aos sinais de adoecimento psíquico, como ansiedade, depressão e burnout. Em relação ao mercado de trabalho, o Setembro Amarelo chama a atenção para o cuidado com a saúde psicológica dos trabalhadores e a responsabilidade das empresas em garantir um ambiente saudável.
CLIQUE AQUI e faça parte do nosso grupo para receber as últimas do Noticia Max.
0 Comentários