Como era esperado, a candidata que ficou em terceiro lugar no primeiro turno da eleição presidencial argentina, Patricia Bullrich, declarou apoio ao candidato da direita radical Javier Milei nesta quarta-feira. Após intensas negociações e debate interno na aliança opositora Juntos pela Mudança, que incluiu reuniões com o próprio Milei e com o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), uma parte das lideranças políticas da centro-direita argentina chegou a um acordo para formar uma frente antikirchnerista contra o candidato do governo, o peronista Sergio Massa — que se recusa a ser considerado kirchnerista. Outros setores se opuseram ao pacto liderado por Macri e Milei — que mantém diálogo fluido há muito tempo —, o que provocou, na prática, o racha da aliança opositora.
Segundo analistas ouvidos pelo GLOBO, a Juntos pela Mudança se dividiu entre uma ala de direita, chamada internamente da ala dos falcões, agora unida por um pacto eleitoral com o partido de Milei, A Liberdade Avança, e uma ala de centro, o setor dos “pombos”, que deverá decidir se apoia abertamente a candidatura de Massa, ou optar por uma posição independente.
— Estamos assistindo à demolição controlada do sistema de partidos argentino, tal como o conhecemos há 20 anos — explica Patricio Talavera, professor da Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA).
Para o professor, “as coalizão que o país tinha até agora não refletem mais as tendências do eleitorado”. O apoio a Milei não foi fácil de aceitar para Bullrich, que apareceu em todos os canais de TV do país visivelmente abalada pela derrota de domingo, e pela rua sem saída na qual essa derrota a colocou. Fontes próximas à ex-ministra reconheceram que a agora ex-candidata teve de ser convencida sobre os custos para a direita tradicional de manter-se neutra na disputa entre Milei e Massa.
— Com Javier Milei, temos diferenças. Por isso competimos, não as ocultamos. No entanto, nos encontramos diante do dilema da mudança ou continuidade mafiosa para a Argentina e terminar com a vergonha do presente. A maioria dos argentinos elegeu uma mudança. Nós representamos parte dessa mudança. Temos a obrigação de não sermos neutros. — disse Bullrich a jornalistas reunidos em Buenos Aires. — Como dizia San Martín, quando a Pátria está em perigo, tudo é permitido, a não ser não defendê-la.
Bullrich ficou em terceiro lugar na luta pela Presidência, com 23,83% dos votos no primeiro turno. Analistas apontam que o impacto do apoio de Bullrich poderia ter um efeito decisivo.
Javier Milei reagiu a declaração de apoio com uma publicação nas redes sociais. O ultraliberal, apelidado por apoiadores de "leão", postou na rede X (antigo Twitter) um desenho de um leão abraçando um pato vestido com a camisa da Argentina (uma referência e ao apelido de Bulrrich).
O cerne do alinhamento parece ter sido a oposição ao kirchnerismo.
— O kirchnerismo é um limite e dar liberdade de ação não seria apropriado — alertou ontem Federico Angelini, homem de confiança de Macri e que estava no comando interino do Pro, criticando a possibilidade de liberar partidários para escolherem o lado que melhor os convém.
No anuncio desta quarta, Bullrich falou mais contra o kirchnerismo do que o a favor de Milei. Antes mesmo de mencionar o ultraliberal, a ex-candidata reafirmou suas tendências liberais antes de começar a atacar Sergio Massa e seus apoiadores peronistas.
— Ratificamos nossa defesa dos valores da mudança e da liberdade. A urgência do momento nos interpela a não sermos neutros frente ao perigo da continuidade do kirchnerismo por meio de Sergio Massa — disse aos jornalistas. — Faz 20 anos que Cristina Fernández Kirchner, Alberto Fernández, Sergio Massa e muitos outros nos jogam nesta decadência. A Argentina não pode reiniciar um novo ciclo kirchnerista liderado por Sergio Massa. Isso implicaria, para o nosso país e nosso povo, uma nova etapa histórica sob o domínio de um populismo corrupto que condenaria a Argentina a uma decadência final e significaria a continuidade do pior governo da história.
Ao mesmo tempo em que a aproximação entre Bullrich e Milei possa ter impacto direto na votação do ultraliberal, a declaração de apoio provavelmente acaba de fato com a coalizão Juntos pela Mudança, que levou Macri a Presidência em 2015. Partidos aliados, como a UCR e a Coalizão Cívica, anteciparam que não declarariam apoio a nenhum dos candidatos no segundo turno. De acordo com uma fonte da UCR ouvido pelo jornal Clarín, o entendimento na legenda é de que Macri decidiu romper a aliança.
"Há muito tempo Macri decidiu romper o Juntos pela Mudança, hoje materializou [o plano]", disse uma fonte ouvida pelo jornal argentino.
A crise, contudo, não deve ficar restrita a coalizão macrista. Assim que as primeiras notícias sobre o acordo surgiram, deputados eleitos pelo partido de Milei, o Liberdade Avança, afirmaram que deixariam a sigla e criariam um novo bloco no Congresso, apontando uma "traição" do candidato à Presidência, ao se aliar com alguns dos alvos de suas críticas até pouco tempo.
Negociação pela madrugada
Fontes próximas aos candidatos afirmaram à imprensa argentina que Milei foi até a casa de Macri em Acassuso, onde o esperavam o ex-presidente e Bullrich. O motivo da reunião seria "resolver as diferenças". Anteriormente, Milei chamou Macri de "repugnante" e disse que Bullrich tinha "sangue nas mãos".
Contudo, logo após o resultado do primeiro turno, Milei começou a fazer acenos por meio da imprensa ao campo Macri-Bullrich.
— Tenho um relacionamento muito bom com o engenheiro Macri e estou disposto a ouvi-lo porque sua experiência é muito valiosa — disse Milei na segunda-feira, admitindo que poderia adicionar Bullrich a um eventual gabinete. — Como posso não incorporá-la? Ela teve sucesso no combate à insegurança.
Durante a campanha, ele a acusou de ser uma “lançadora de bombas com sangue nas mãos”.
Uma reunião a sós com Bullrich foi necessária para deixar as impressões da campanha no passado, disseram fontes de ambos os lados na terça-feira. Esse foi o principal significado do jantar da noite passada.
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