Poucas coisas são tão desvalorizadas na sociedade quanto o trabalho de cuidado. Em um mundo que mede valor pelo que está no contracheque ou no LinkedIn, quem dedica a vida à criação dos filhos e à gestão da casa segue invisível e, não raro, descartada. É o que ocorre com muitas mulheres que, após anos de dedicação exclusiva à família, enfrentam um “apagão” no currículo e veem portas se fecharem ao tentar retornar ao mercado de trabalho.
Segundo o IBGE, elas gastam, em média, 21,3 horas semanais com afazeres domésticos, quase o dobro dos homens (11,7h). Esse desequilíbrio se reflete diretamente na empregabilidade feminina. No terceiro trimestre de 2024, a taxa de desemprego entre mulheres foi 45,3% maior do que entre os homens. É uma realidade cruel: quem sustentou a estrutura familiar durante anos, muitas vezes sem qualquer remuneração, se vê obrigada a recomeçar do zero — com menos tempo, menos oportunidades e menos apoio.
Essas mulheres não são “inativas”, como o mercado gosta de rotular. Elas são gerentes de crise, administradoras de tempo, cuidadoras em tempo integral. Mas não há campo no currículo que aceite essas funções. O preconceito, somado à desatualização técnica e ao etarismo, cria um funil quase intransponível. Muitas não conseguem emprego nem para pagar um curso que atualize suas competências. É nesse contexto que a pensão alimentícia para ex-cônjuges se apresenta não como um “benefício”, mas como uma medida de justiça.
O Código Civil já prevê esse direito, mas sua aplicação ainda encontra resistência. Há quem trate o pedido como oportunismo ou vingança quando, na verdade, ele serve para garantir o mínimo de dignidade a quem abriu mão de sua trajetória profissional para cuidar da base que sustenta qualquer sociedade: a família. A ausência dessa rede de apoio pode levar ao endividamento, à insegurança alimentar e a um abalo profundo na saúde mental dessas mulheres.
Precisamos evoluir a conversa. Reconhecer o trabalho de cuidado como produtivo, ainda que não remunerado, é um passo essencial para combater a desigualdade de gênero e reconstruir um mercado de trabalho mais justo. Enquanto o tempo dedicado à família for visto como “vazio” no currículo, estaremos falhando com metade da população. E com todas as próximas gerações.
Renê Freitas é advogado especializado em direito de família com pós graduação em Direito Processual Civil e Direito Civil pela Universidade de Lisboa.
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