Cuiabá, 26 de Dezembro de 2025
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26 de Dezembro de 2025

OPINIÃO Sexta-feira, 26 de Dezembro de 2025, 17:42 - A | A

Sexta-feira, 26 de Dezembro de 2025, 17h:42 - A | A

JOEL MESQUITA

Indignação seletiva

JOEL MESQUITA

A sociedade brasileira contemporânea tem sido marcada por uma profunda inversão de prioridades morais e políticas, na qual questões simbólicas e superficiais passam a ocupar maior centralidade no debate público do que problemas sociais estruturais. Esse fenômeno pode ser analisado à luz da sociologia crítica, especialmente a partir dos conceitos de sociedade do espetáculo (Debord), violência simbólica (Bourdieu) e polarização ideológica. Nesse contexto, observa-se que episódios banais frequentemente geram maior mobilização social do que tragédias concretas, como o feminicídio, expressão extrema da violência de gênero.

O feminicídio, enquanto fenômeno social, não pode ser compreendido como um conjunto de eventos isolados, mas como resultado de uma estrutura patriarcal historicamente consolidada, que naturaliza a violência contra as mulheres. No entanto, apesar de sua gravidade e recorrência, tal problema permanece frequentemente marginalizado no espaço público. Em contraste, a recente controvérsia envolvendo um comercial da marca Havaianas, estrelado pela atriz Fernanda Torres, provocou reações intensas de atores políticos e econômicos, evidenciando o que pode ser denominado indignação seletiva.

A peça publicitária utiliza um jogo semântico ao afirmar que não deseja que o público inicie o ano “com o pé direito”, propondo, em vez disso, começar “com os dois pés”, em referência à ação, ao engajamento e à totalidade do indivíduo. Ainda que a mensagem se situe no campo simbólico e publicitário, a reação de setores da direita política extrapolou o âmbito cultural, transformando o anúncio em um objeto de disputa ideológica. Esse deslocamento evidencia o avanço do sectarismo político, no qual qualquer manifestação cultural é imediatamente interpretada como um posicionamento partidário, anulando a possibilidade de leitura plural e racional.

Sob a perspectiva habermasiana, pode-se afirmar que há uma crise da esfera pública, caracterizada pela perda do debate argumentativo orientado pela razão. O espaço público deixa de ser um local de deliberação coletiva e passa a funcionar como um campo de confrontos morais e emocionais, nos quais prevalecem discursos simplificados e dicotômicos. Nesse ambiente, problemas sociais complexos, como a violência de gênero, são obscurecidos por polêmicas artificiais que exigem baixo custo cognitivo e não demandam enfrentamento estrutural.

 

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