Em Sonho de Uma Noite de Verão, uma das obras mais conhecidas do balé clássico, Shakespeare mistura fantasia e realidade para apresentar um mundo mágico aos espectadores. Uma dança veloz, individualizada, inspiradora. Era isso o que o técnico Emerson Leão queria ao coreografar o Sport de 2000.
O time ficou marcado na história e tornou-se responsável por emplacar o comandante na seleção brasileira, acumulando os dois cargos durante meses por escolha própria.
- Eu dizia que estávamos necessitando da volta do futebol bailarino. Ponteiros velozes, dribladores e um conceito de individualidade quando se aproxima da área adversária - conta o ex-técnico.
O "Balé de 2000", segundo episódio da série "Imortais", será exibido neste sábado na TV Globo.
Naquele período, depois de terminar o Brasileiro de 1999 como lanterna, o clube havia conquistado a Copa do Nordeste com Celso Roth, mas o técnico carregou o vestiário e só durou cinco meses no cargo. O time arrefeceu e fez a diretoria buscar um novo nome: disciplinador, provocador, exigente. Conhecido do presidente Homero Lacerda, Leão chegou ao Sport com uma missão: vencer.
"Nós tínhamos que perder o complexo de inferioridade. Tínhamos que causar um novo impacto, porque eles estavam começando a ficar adormecidos novamente. E isso eu não podia permitir."
A estratégia deu certo. O Rubro-negro conquistou o pentacampeonato pernambucano sobre o Santa Cruz, e chegou à final da Copa dos Campeões, ficando com o vice ao perder para o Palmeiras, por 2 a 1. Ali, o time estava pronto para a Copa João Havelange, o Brasileiro da época. Era o reerguimento do Sport para 2000.
O tom de voz duro, ríspido, acompanhou Leão como característica intrínseca ao longo da carreira. Mas na mesma medida em que mostrou-se rigoroso, ele também assumiu um tratamento paternal com o atacante Leonardo, dono da camisa sete e ídolo do Sport.
"Ele precisava de ajuda. Nem a farda e nem tanta liberdade. Era um excelente jogador, para time muito maior do que éramos naquela época. Às vezes chegava meio fora do contexto, eu olhava e dizia: vem conversar aqui perto. Ele ficava distante... E eu sabia. Você vai para casa. Durma e no fim da tarde venha aqui que estou te esperando para a gente fazer um pouco de bola."
Leão cobrava, mas abraçou o elenco. Naquela temporada, inclusive, precisou interromper protestos por salários atrasados, mas também sustentou as reivindicações da equipe. Ele conta que cobrava a diretoria e por mais de uma vez terminou cobrindo o "bicho" do próprio bolso.
"Eu combinava com Homero de não jogar o segundo jogo se não pagasse o primeiro. Quando faltavam 24h e eles não pagavam, eu ia no banco no meu dinheiro particular. Às vezes erravam um pouco, e eu dava uma ameaçada: se não pagar eu vou embora. Essas coisas é que se faz um bom ambiente, não é só no elogio."
O Balé de 2000
Leão coreografou uma dança na Ilha do Retiro, ao tentar resgatar o futebol bailarino com o qual sempre sonhou. Agora, pouco mais de 10 anos depois de defender o estilo na seleção brasileira, ele acredita ter construído no Sport - dentro da própria realidade - o balé que idealizou. E tinha o meia Nildo, dono de oito gols no campeonato, como expoente principal.
"Nós tínhamos isso sim. Ele dominava o ambiente. Era uma figura espetacular. O problema da liberdade é ter a confiança de fazer uma jogada que requer individualidade. Eu falava: tente, e se alguém vier perguntar, você diz: 'O culpado é meu treinador, ele que mandou'.”
Leão conduziu o balé do Sport pelos palcos do Brasil. Comandou vitórias sobre Flamengo, Corinthians e um expressivo 6 a 0 diante do Atlético-MG, com cinco gols de Leonardo, em pleno Mineirão. Mas a vitória de 4 a 3 sobre o São Paulo, responsável por classificar o time, tornou-se a mais marcante para o treinador.
"Fiquei vibrante mesmo, porque a gente estava consolidando aquilo que nós conversávamos. Venha quem viesse. Era exatamente assim que nos sentíamos."
Em 2000, Sport vence o São Paulo por 4 a 3 pelo Campeonato Brasileiro
O encanto da seleção
À medida que o Sport encantava, Leão era alçado ao posto mais alto de um técnico no futebol nacional. Ele ainda disputava a João Havelange pelo Rubro-negro quando o telefone tocou pela primeira vez com o "chamado": o convite para comandar a seleção brasileira. Aos 51 anos de idade, teria pela frente uma equipe em baixa após a queda de 1998. Mesmo assim, aceitou comandá-la.
"Fiquei nove meses, parecia um parto. O Ricardo Teixeira, presidente, nunca conversou comigo na vida. Então percebi que eu não era o treinador que ele queria. Era um resultado do momento."
A CBF havia demitido Luxemburgo, após as Olimpíadas de Sidney, e duas CPIs no Congresso Nacional investigavam irregularidades no futebol.
Sob críticas, Leão barrou referências como Cafu, Roberto Carlos e Rivaldo, e levou à Copa das Confederações uma lista sem nomes como Romário e Rogério Ceni. Na mesma medida, trouxe caras novas, sendo a principal delas o volante Leomar, do Sport.
"Ele foi convocado porque foi merecedor. Nós também estávamos sem autorização de convocar qualquer atleta de time grande ou do exterior. O primeiro time não podia, o segundo não podia, o terceiro não podia. Então vou dar chance para quem nunca foi" - explica.
Derrotado pela Austrália na disputa do terceiro lugar, Leão foi demitido antes mesmo de retornar ao Brasil, ainda no aeroporto de Narita, no Japão. Era o ápice da própria carreira naquele momento, mas o técnico diz que não trilharia o mesmo caminho outra vez.
"Eu me arrependo. Não do convite do Lopes, mas de ter convivido com Teixeira. Não tive percepção naquela época, fui até inocente e foi uma decepção."
O ato final
O Brasil nunca esteve perto do balé sonhado pelo técnico, mas ele ainda pôde conduzir o espetáculo do Sport em 2000 - uma vez que acumulou os cargos por cerca de dois meses. Classificou-se em segundo lugar nos pontos corridos e avançou até às quartas de finais, após vencer o Remo.
Mas veio o Grêmio de Ronaldinho Gaúcho. Sem poder contar com Nildo, que havia rompido os ligamentos do joelho, o time perdeu por 3 a 2 no placar agregado e foi eliminado.
O Sport deixou a João Havelange antes da final - conquistada pelo Vasco, um mês depois, ao vencer o São Caetano. Pôs uma sinfonia em silêncio antes da ordem do maestro. E encerrou o balé de 2000 antes do ato final.
"Nós poderíamos ser campeões. Meu sabor não é de gosto amargo de fel, porque aquilo foi um aprendizado. Mas se passasse naquele, nós passaríamos por todos os outros. Eu tinha a absoluta certeza de que nós passaríamos.”
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