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CIDADES Terça-feira, 03 de Junho de 2025, 07:40 - A | A

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“Quero sair da rua”

Mulher trans pede ajuda para deixar Cuiabá após dias de violência e fome

Val, 28 anos, HIV positivo e sem família por perto, buscou ajuda na Defensoria Pública para tentar recomeçar a vida em São Paulo

Da Redação

Valdecir de Oliveira, a Val, 28 anos, procurou a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (DPEMT) nesta segunda-feira (2) com um pedido de ajuda: quer deixar as ruas de Cuiabá. Mulher transsexual, HIV positivo, sem família e endereço certo, ela conta que, em quatro dias na Capital, foi assaltada e levaram seu celular e o único dinheiro que tinha para se alimentar, R$ 20. Isso depois de deixar Rondonópolis. Agora, seu objetivo é ir atrás de uma tia que mora em São Paulo, onde pretende recomeçar. E para que ela consiga a mudança, a Defensoria conseguiu o compromisso de empenho por parte da Secretaria de Assistência Social do Município para que ela viaje o mais rápido possível.

“Preciso sair da rua. Cuiabá é muito violenta, não quero ficar nas ruas daqui. Procurei a Defensoria Pública e pedi ajuda. No órgão, fui encaminhada com um oficio para o Centro Pop, para de lá conseguir uma passagem para São Paulo. Mas, se não conseguir ainda hoje, vou tentar ir de carona. Aqui não quero ficar”, contou. 

Magra, cabelos longos postiços, mala cor de rosa e um tigre de pelúcia nos braços, Val conta que sabe ler soletrando e escreve pouca coisa. E que sua vida daria um filme cheio de sucessivas dificuldades, inseguranças e ausências. Da família, restou o pai preso e as irmãs, que ela afirma não saber onde estão.  

“Depois que minha mãe faleceu em 2012, nossa família foi cada um para um lado. A única coisa que sei é dessa minha tia, que mora perto do Rio Tietê, em São Paulo, e quero tentar ir para lá”, disse. 

Sonhos? Val diz que não tem. Simpática, sorridente, afirma que a sua prioridade é deixar de passar fome e ter um lugar para dormir. “Mais cedo me viram tremendo, encolhida e perguntaram se era frio. Não, eu estava com fome. Comi ontem. Hoje perdi a hora para pegar o almoço gratuito que é oferecido em vários pontos da cidade”, contou ela, guardando parte da comida que acabara de ganhar como almoço, contando que ela seria sua janta mais tarde.  

Encaminhamento – No Acolhimento da Defensoria Pública, além dos atendimentos feitos para pessoas com residência em Cuiabá que precisam de saúde, educação, proteção contra violência, direito do consumidor e superendividamento, existe o feito por uma equipe multidisciplinar, formada por psicólogas e assistentes sociais, que orientam ou encaminham para atendimento internamente ou para órgãos de Estado, pessoas com problemas similares aos de Val. 

A gerente de assessoramento ao atendimento do órgão, Évila Ferreira, informa que o atendimento à população em situação de rua representa a segunda maior demanda da Coordenadoria Técnica de Assuntos Interdisciplinares (CTAI ) no Acolhimento, correspondendo a aproximadamente 23% dos atendimentos. De janeiro a maio de 2025, cerca de 50 pessoas passaram pelo local, sendo encaminhadas para albergues e orientadas quanto à emissão de segunda via de documentos, acesso a serviços de saúde mental e informações sobre benefícios assistenciais. 

"O trabalho da CTAI é articulado com a rede por meio do Centro POP, o CAPS e o Consultório na Rua, fortalecendo as ações interdisciplinares e intersetoriais, promovendo atendimentos efetivos às demandas que ultrapassam o atendimento jurídico. E tem sido de suma importância para o nosso trabalho nesses atendimentos contar com o compromisso e os serviços desses órgãos", avalia.

No caso de Val, ela foi encaminhada para o Centro Pop, que encaminha pessoas em situação de rua para abrigos e que viabiliza a solicitação de passagens. Évila explica que para conseguir passagem, o interessado precisa ter um endereço fixo, ou seja, precisa estar num dos três abrigos de Cuiabá. Mas, diante dessa exigência, a defensora pública que atua no Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem), em Cuiabá, Rosana Leite, também entrou em contato por telefone com a secretária adjunta de de Assistência Social da Prefeitura de Cuiabá, Paolla Reis, e recebeu o compromisso de empenho por parte do órgão para conseguir a passagem para Val. "Diante do relato de violência sofrida por ela aqui e da possibilidade de que a passagem não fosse viabilizada hoje, consegui conversar com a secretária que nos garantiu que fará o possível para que a passagem seja garantida", informou Rosana.

Números do Grupo de Atuação Estratégica na Defesa da População de Rua (Gaedic/Pop Rua) da DPEMT indicam que, em Cuiabá, vivem atualmente cerca de 1,5 mil pessoas em situação de rua. E que faltam políticas públicas efetivas destinadas a esse grupo social. Para eles é mais difícil ter acesso à saúde, trabalho e habitação.

Peculiaridade – Para a defensora, pessoas trans encontram dificuldades específicas na convivência social e quando estão em situação de rua elas são potencializadas. “É sabido que esse segmento enfrenta os muitos desafios, inclusive quanto à expectativa de vida, que é de 35 anos. Apesar das muitas conquistas, a legislação não avançou em prol da população LGBTQIAPN+. Existe inúmeros preconceitos com as pessoas trans, a começar pelo uso de sanitários públicos, o que dificulta muito mais a vida socialmente. A luta contra a transfobia é uma realidade a ser enfrentada cotidianamente, assim como se valer de programas governamentais de acesso da sociedade”, afirmou a defensora. 

Ela lembra que transfobia é crime desde que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, enquadrou a conduta na Lei de Racismo. “Condutas homofóbicas e transfóbicas praticadas contra pessoas LGBTQIAPN+ é crime e a dignidade da pessoa humana é princípio constitucional inerente a todo ser humano”, concluiu.

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