Em entrevista ao Notícia Max, o juiz Geraldo Fidelis, da Vara de Execuções Penais da Capital, fala sobre o sistema prisional, cobra maior investimento do Estado, frisa que o uso das tornozeleiras eletrônicas têm se mostrado eficaz, bem como explica as audiências de custódia, afirmando que os críticos o fazem por desconhecer para que ela serve.
Noticia Max - A forma como o sistema prisional é conduzido hoje realmente reeduca o preso?
Geraldo Fidelis – Esse é o objetivo da execução penal. No entanto, as mazelas das penitenciárias do Brasil, incluindo Mato Grosso, não permitem de maneira plena essa recuperação. Qual mazelas? A superlotação principalmente. Vemos, por exemplo, a PCE (Penitenciária Central do Estado) com mais de 2 mil pessoas presas, enquanto tem apenas 890 vagas. Então, realmente é uma situação difícil. É necessário um investimento nessa área, para que seja alcançado o objetivo da execução penal, que é a recuperação de pessoas, a reintegração delas na sociedade.
Notícia Max - Aqui na Grande Cuiabá há reeducandos que já cumpriram as penas e continuam presos?
Geraldo Fidelis – Isso não existe, essa hipótese está descartada. Aqui existe pessoas que estão presas esperando o requisito objetivo, que é o tempo de pena, e mais subjetivo, que é a aptidão pessoal para poder progressão de regime, mas essa situação eu desconheço em Cuiabá e Várzea Grande, que é onde trabalho. Sempre faço pentes finos, na verdade, para saber se tem situações como essas, mas há tempos não encontro.
Notícia Max - Quanto à superlotação, qual é a realidade hoje no Estado?
Geraldo Fidelis – Precisamos que o Governo do Estado eleja como prioridade os investimentos no sistema penitenciário. Isso é fundamental, a construção de unidades penitenciárias. Está sendo construída, por sinal, uma unidade em Várzea Grande, para 1.008 vagas, vai tirar a “água do pescoço”, mas temos aqui em Cuiabá e Várzea Grande juntas mais ou menos 3.330 pessoas presas, para 1.678 vagas. Esse número de vagas a serem abertas não vai suprir o déficit de Cuiabá e Várzea Grande, sabendo que quando abre uma situação como essa não só desafoga Cuiabá e VG mas também as outras unidades penitenciárias de Mato Grosso, que estão todas superlotadas.
Então, é necessário investimento em crescente, e mais, investir em segurança pública é investir também no sistema penitenciário, não adianta ter só mais policiais nas ruas, mais investimentos na segurança, se não investir onde vai guardar essas pessoas, e não só guardar, mas guardar e cuidar dessas pessoas, para que elas lá dentro sejam trabalhadas para que ao retornar à sociedade não voltem piores do que entraram.
Notícia Max - E a infraestrutura no sistema prisional, com instalação dos bloqueadores de celulares, por exemplo, vem tendo a atenção necessária por parte do estado?
Geraldo Fidelis – É fundamental isso. Estive em um congresso de execução penal em Salvador, na Bahia, e até sugeri que as empresas de telefonia ao receber a concessão sejam obrigadas elas mesmo, e não o Estado, fazerem o cercamento, a zona de exclusão dos sinais das penitenciárias, porque é muito caro, hoje o Estado coloca um aparelho, daqui a pouquinho fica sem sinal na região, então a telefonia vai lá e emite mais sinal ainda. O Estado tem que comprar com nosso dinheiro, com nossos impostos outro aparelho para recuperar e dar um bloqueio maior, e aí vai a telefonia e dá mais sinal para aquela região, e fica uma brincadeira de quem dá mais sinal. Então é fundamental que a empresa de telefonia sim, faça esse isolamento.
Notícia Max - A adoção das tornozeleiras eletrônicas são constantemente criticadas, mas elas estão sendo eficazes?
Geraldo Fidelis – Se retirar a tornozeleira como vai ficar? Como era antes, sem a tornozeleira? Sem controle nenhum? Era assim antes. Sociedade, acorde! Porque antes não tinha nenhum controle. A pessoa está na rua, saía do fechado, ia direto pro aberto, sem nenhum controle, e hoje as pessoas são controladas, hoje sabemos onde as pessoas estão. Existe, sim, muitas lendas urbanas. Nós buscamos sim, e eu falo buscamos, me colocando com o papel do Estado, mas esse papel é exatamente do Estado enquanto membro da Federação, o Estado de Mato Grosso, no caso a Sejudh (Secretaria de Justiça e Direitos Humanos) busca aprimorar esse sistema.
Tem-se investido sim, mas não só em tornozeleiras, tem que ser investido na criação da colônia penal, para o sistema semi-aberto, porque o correto é ter a migração do regime fechado para o semi-aberto e do semi-aberto para o aberto. Fechado penitenciária, semi-aberto colônias penais, e não temos aqui, e aberto a casa do albergado, e não existindo tornozeleira para o aberto, e não para o semi-aberto, que seriam o caso das colônias.
É necessário que o Estado invista não só em Cuiabá, mas nos pólos de Mato Grosso em construção de colônias penais, para que possamos cumprir eficazmente, de maneira plena, a lei de execução penal.
Notícia Max - Quais os critérios para o reeducando ser beneficiado com o uso de tornozeleira?
Geraldo Fidelis – Todas as pessoas do semi-aberto que não tinha nenhum controle, saiam até setembro de 2014 sem nenhum controle, hoje são colocadas com tornozeleiras, mas para chegar lá tem que cumprir dois requisitos, um objetivo, que é o tempo da pena, e um subjetivo que é o exame psicossocial, o psiquiátrico. Com base na aferição desses exames ela faz a progressão de regime para o semi-aberto, e no semi-aberto coloca-se a tornozeleira.
Aqui em Cuiabá todos os presos, independente de classe social, de cargos ocupados no passado, usam tornozeleiras nessas situações.
Notícia Max - E quanto as audiências de custódia, que inclusive foi criticada pela promotora Lindinalva Rodrigues, realmente é eficaz?
Geraldo Fidelis – Muito eficaz. Quem critica é porque desconhece. Não é que é ignorante, é que desconhece, ignora o fato do que ela serve. Ela não serve para prender ninguém, nem para dar liberdade para ninguém. Ela apenas afere e fiscaliza a legalidade da prisão. Essa legalidade seria aferida, seria observada pelo juiz um, dois, três meses depois, e agora está acontecendo no momento da prisão, ela regula o poder de polícia realmente, das entidades policiais, elas qualificam a prisão.
A prisão tem que ser feita de maneira qualificada, de maneira plena, que não vá retroagir para liberdade depois, não adianta prender para soltar. Observa-se agora se a pessoa tem que ser presa ou não, de acordo com o Código Penal, com os requisitos do Código Penal e também das organizações interamericanas de detenção, sem falar que o preso, a pessoa vai ficar lá, presa ilegalmente, às despensas da população, nós pagamos para eles ficarem presos, é custo para o Estado. E quem deve ser preso? Quem a lei determina que deve ser preso. Não vejo como criticar um instrumento que vem apenas garantir a legalidade do que determina o Código Penal e o processo penal.
Notícia Max - E como está o sistema de reintegração dos reeducandos no mercado de trabalho?
Geraldo Fidelis – A nossa sociedade ela, e me incluo nessa situação, é preconceituosa quanto à contratação de pessoas que vieram do sistema penitenciário. Hoje estamos em plena crise política e econômica, que poucas vezes vimos isso acontecer no Brasil, emprego lá fora está difícil, ainda mais para uma pessoa que veio egresso do sistema penitenciário, é mais difícil ainda.
Nesse instante é muito importante o investimento do Estado na Fundação Nova Chance, para que ela capte esse trabalho, auxiliando esse momento de recuperação de pessoas. Essas pessoas que saem do sistema penitenciário, assim como aquelas que estão dentro do sistema penitenciário, querem trabalhar, mas cabe ao Estado dar condições para o trabalho para o preso interno das penitenciárias, pro externo, para as pessoas que estão no semi-aberto, querem trabalhar também, mas hoje são poucas as vagas apresentadas, e precisamos de mais vagas para que as pessoas reaprendam a viver de maneira honesta, da maneira que queremos, com tranqüilidade, sem violência, uma sociedade mais segura e plena.
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