As casas de apostas consolidaram seus planos de negócio utilizando as camisas da elite do futebol brasileiro como vitrine estratégica. Com investimentos cada vez maiores, o preço para ocupar o espaço mais valorizado dos uniformes disparou, registrando alta de 125% em apenas dois anos.
Um levantamento exclusivo da agência Jambo Sport Business, feito a pedido do g1, mostra que o valor total destinado ao patrocínio máster dos clubes passou de R$ 496 milhões, em 2023, para R$ 1,117 bilhão, em 2025, entre as equipes que hoje disputam a Série A do Campeonato Brasileiro.
* Patrocínio máster é aquele que aparece na parte da frente da camisa, bem no centro do peito dos jogadores — área de maior visibilidade para TV, fotos e transmissão de jogos.
* O estudo considera duas exceções: Athletico-PR e Coritiba (que jogaram a Série B em 2025) nos lugares de Mirassol (com poucas informações sobre valores) e Red Bull Bragantino (que tem a Red Bull como proprietária).
O avanço das bets nos patrocínios do futebol provocou uma saída em massa de empresas de outros setores. As indústrias farmacêutica e alimentícia, além de empresas públicas e bancos, por exemplo, perderam espaço e já não ocupam posições de destaque nos uniformes.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, a estratégia das casas de apostas é justamente reforçar a presença das marcas, em um segmento de atividade homogênea que dificulta a diferenciação frente à concorrência. Além disso, a própria natureza do negócio possibilita investimentos em publicidade muito superiores aos de outros setores. (leia mais abaixo)
Atualmente, o Flamengo detém o patrocínio máster mais valioso do país. O clube, dono da maior torcida brasileira, deve receber R$ 268 milhões de uma única empresa de apostas em 2025, segundo o levantamento. Esse montante é o mais alto já registrado no futebol nacional.
Campeão brasileiro e da Libertadores em 2025, o rubro-negro também registrou o maior aumento em valor absoluto nesse tipo de receita nos últimos dois anos, com alta de 215%. Em 2023, o clube faturava R$ 85 milhões e, em 2024, chegou a R$ 110 milhões.
O recorde histórico de 2025 foi atingido após o clube trocar a bet que estampava sua camisa por outra casa de apostas concorrente.
O que está por trás da estratégia?
O investimento em patrocínio máster pelas casas de apostas revela uma prática comum no marketing: a de reforçar a marca para ganhar credibilidade e se consolidar. Nesse cenário, a estratégia funciona como uma ferramenta para manter a empresa sempre presente na memória do público.
A lógica é simples: imagine duas marcas diferentes. Uma aparece com frequência na televisão, enquanto a outra você viu apenas uma vez ou ouviu falar. Na hora de escolher entre as duas, qual será a sua opção? Provavelmente aquela com a qual teve mais contato.
No mercado de apostas, esse tipo de ação ganha ainda mais relevância. Isso porque as empresas apresentam pouca diferenciação entre si, explica Idel Halfen, especialista em marketing e um dos autores do levantamento.
"As bets são como uma commodity: o produto é igual, e muda apenas o valor do aporte, o bônus oferecido ou a rapidez no pagamento. Por isso, as marcas buscam se destacar", explica.
Além de garantir que a marca seja lembrada, as empresas recorrem ao patrocínio máster para transmitir solidez. “Se está patrocinando um clube, entende-se que é uma marca forte”, acrescenta.
Além disso, as bets firmam contratos com influenciadores para campanhas pontuais e com “embaixadores” para parcerias de longo prazo — estratégias também consideradas centrais para atingir o público-alvo e gerar resultados rápidos.
Por que os valores são tão altos?
A “inflação” causada pelas bets tem algumas explicações. A principal é que essas empresas direcionam uma fatia muito maior de recursos para marketing e publicidade do que companhias tradicionais, já que sua estrutura operacional é menos custosa.
Empresas do setor produtivo, por exemplo, direcionam a maior parte de seus recursos para pesquisa, desenvolvimento, produção, estoque, logística e distribuição. As casas de apostas, por sua vez, não têm custos relacionados a esses processos.
“Isso impacta diretamente a lucratividade", diz Marcelo Toledo, professor de marketing esportivo do curso de Administração da ESPM. "Ao analisar uma casa de apostas, os maiores departamentos são marketing, desenvolvimento e compliance — este último por exigências regulatórias."
Toledo acrescenta que, dessa forma — e em meio a lucros significativos — o setor consegue direcionar cada vez mais recursos para fortalecimento de marca, especialmente por meio do patrocínio máster. Na prática, essa procura aumenta os valores exigidos pelos clubes para ocupar a área nobre dos uniformes.
“É uma questão de oferta e demanda. Muitas empresas querem patrocinar as 20 equipes do Brasileirão”, afirma Toledo.
Segundo ele, o volume bilionário de investimentos seria atingido de forma natural, à medida que a audiência cresce e surgem novas formas de exibição e recortes das partidas nas mídias digitais. As casas de apostas, porém, acabaram antecipando esse processo.
Para se ter uma ideia, 18 dos 20 clubes da Série A do Brasileirão têm casas de apostas como patrocinadoras máster. As únicas exceções são o Red Bull Bragantino, controlado pela própria marca de bebidas, e o Mirassol, que exibe a Poty como principal patrocinador.
Mesmo assim, o time do interior paulista também conta com o patrocínio relevante de uma casa de apostas.
Como esse movimento 'expulsou' outras empresas do patrocínio máster
Idel Halfen, que já liderou equipes de marketing de grandes companhias — inclusive de um clube da elite do futebol brasileiro — destaca que os investimentos milionários das bets tornaram praticamente inviável esse tipo de patrocínio para outras companhias.
Ele cita o exemplo do Flamengo, que deve receber cerca de R$ 270 milhões apenas pelo patrocínio máster em 2025. (veja os valores de todos os clubes no fim desta reportagem)
“Há casas de apostas investindo quase R$ 300 milhões em um único clube de futebol. Para muitas grandes empresas, esse valor equivale ao orçamento total de marketing, incluindo pesquisa, publicidade e outras ações”, explica.
Além disso, os chefes de marketing precisam justificar o investimento ao CEO e apresentar resultados. Nesse ponto, as bets levam vantagem: enquanto a exposição na TV pode gerar apostas imediatas e mensuráveis, em outros setores o retorno costuma ser menos claro e mais demorado.
“Para empresas como bancos, por exemplo, é difícil comprovar que o patrocínio trouxe resultados concretos”, afirma Halfen.
Ação depende de momento político e social
Aspectos econômicos, sociais, hábitos de consumo e até momento político influenciam o patrocínio máster dos clubes. Nos anos 1990, por exemplo, a Coca-Cola investiu pesado para ocupar esse espaço no futebol — algo raro hoje. A Parmalat também marcou a década ao patrocinar o Palmeiras.
Só em 1992, a Coca-Cola patrocinou 70% dos clubes da elite do futebol brasileiro, segundo levantamento da Jambo Sport Business. Situação semelhante ocorreu com o setor financeiro nos anos 2010: entre 2013 e 2018, bancos lideraram esse tipo de patrocínio, alcançando 80% do total.
A Caixa Econômica Federal se destacou ao patrocinar, sozinha, 14 dos 20 clubes da Série A do Brasileirão em 2017. No ano anterior e no seguinte, ainda ocupou o espaço nobre nas camisas de 12 equipes.
Entre as estatais, outro exemplo é a Petrobras, que estampou sua marca no Flamengo por mais de duas décadas, dos anos 1980 aos 2000. Especialistas explicam que esse tipo de estratégia costuma estar relacionado ao contexto político.
"No caso das empresas estatais e públicas, isso depende muito de momentos políticos. É interessante para determinado governo, por exemplo, colocar a Caixa como patrocinadora. Vimos algo parecido quando o BRB, banco de Brasília, também patrocinou o Flamengo", diz Idel Halfen.
O que esperar pela frente
Pelo menos dois importantes movimentos podem mexer com os generosos patrocínios das casas de apostas:
Uma eventual proibição ou restrição à publicidade;
A consolidação do setor.
O professor Marcelo Toledo, da ESPM, acredita que as propagandas de bets serão proibidas em algum momento — no médio ou no longo prazo —, já que o vício em jogos é tratado como problema de saúde pública. Ainda assim, o avanço dessa medida depende do apoio popular.
"Assim como ocorreu com a proibição da propaganda de cigarro e a restrição à publicidade de bebidas alcoólicas, governo e Congresso Nacional devem adotar essa medida, seguindo o exemplo de outros países. Será um processo de adaptação para todos", diz Toledo.
O Congresso já discute restringir a publicidade das apostas. Em maio, o Senado aprovou um projeto — que ainda será analisado pela Câmara — proibindo atletas, atores, comunicadores e influenciadores de fazer propaganda, mas permitindo patrocínios em uniformes.
Pelo texto, eventuais campanhas também deverão trazer alertas sobre os riscos do vício. Os clubes de futebol, que contam com a receita dessas parcerias, posicionaram-se contra a proposta ao estimar uma perda anual de aproximadamente R$ 1,6 bilhão.
Uma medida prática relevante já foi adotada pelo governo federal. Em outubro deste ano, o Executivo publicou uma norma que proíbe a realização de apostas por meio de contas usadas por beneficiários de programas sociais.
Para Idel Halfen, a consolidação do setor também deve frear os altos investimentos. Ele compara o cenário ao das empresas de telecomunicações, que oferecem serviços similares entre si e, no início de suas atividades, aplicavam valores muito maiores em publicidade.
"Quando as empresas já tiverem uma clientela fiel e uma base ampla de usuários, será menos necessário 'queimar' tanto investimento. A marca estará consolidada, e essa consolidação tende a equilibrar o mercado, reduzindo a necessidade de gastos agressivos", afirma.
Países europeus restringiram publicidade
A experiência internacional mostra que grandes ligas europeias proibiram ou restringiram propagandas de bets em clubes de futebol.
* ???????? Espanha: Em 2021, o país proibiu a publicidade de casas de apostas em clubes, incluindo uniformes, nomes de estádios e competições.
* ???????? Itália: Desde 2019, o país proíbe qualquer propaganda de apostas — inclusive em uniformes — por meio do Decreto Dignità.
* ???????? Inglaterra: O país adotou restrições. Os clubes da Premier League têm até o fim da temporada 2025/2026 para retirar patrocínios máster de bets. Patrocínios em mangas continuam permitidos.
* ???????? França: O patrocínio máster por casas de apostas é permitido. Há regras, mas poucas restrições em comparação com outros países.
Idel acredita que, ao contrário do que ocorreu em países europeus, uma proibição no curto prazo é improvável no Brasil, em parte devido à forte influência do setor de apostas no Congresso Nacional.
"Seria preciso um forte apelo popular para que isso aconteça, já que o lobby do setor é muito forte. A carga de impostos discutida no Congresso, por exemplo, ficou bem abaixo do que poderia ser, o que reforça a percepção de que isso não deve ocorrer no curto prazo", diz.
"Creio que só um movimento popular, talvez provocado por eventuais escândalos, poderia gerar essa comoção. No momento, porém, não vejo essa possibilidade", conclui o especialista.
CLIQUE AQUI e faça parte do nosso grupo para receber as últimas do Noticia Max.






0 Comentários